Em busca do oceano…
Mais um
excelente filme para o
hall de
grandes acertos da Pixar! Eu sou
apaixonado
pelos filmes do estúdio, desde a minha infância, onde eu assisti eternas
paixões como
“Procurando Nemo” e
“Monstros S.A.”. Nos últimos anos, dois
filmes me marcaram profundamente e se tornaram meus favoritos, sendo eles
“Divertida Mente” e
“Viva: A Vida é Uma Festa”. Com
“Soul”,
percebo que o estúdio está cada vez mais se preocupando em fazer animações para
o público adulto, embora as animações da Pixar sempre tenham sido muito
cabeça. Em
“Soul”, acompanhamos um professor de música em uma escola que está
esperando uma grande chance para ser um músico de jazz renomado e, assim, está
postergando a sua felicidade
sempre para
“mais tarde”. O filme é intenso, faz escolhas acertadíssimas e nos envolve
ao mesmo tempo em que nos leva a pensar em nossas escolhas…
É um verdadeiro tapa na cara.
Assisti ao
filme porque, como já disse, AMO as animações da Pixar e sempre amarei – não
tinha nenhuma criança comigo, e gostaria de saber, se alguém puder
compartilhar, qual foi a reação delas ao filme! Acredito que a criança que vê
“Soul” foca na 22, no barco todo
colorido do Moonwind, na alma do Joe em um corpo de gato, e em alguns momentos
divertidos que são feitos para agradar a qualquer público… a mensagem final, no
entanto, pega de jeito aqueles adultos que se reconhecem em Joe Gardner, nem
que parcialmente. Como adulto, eu adorei a animação! Acho que ela consegue
equilibrar bem o tempo de Joe Gardner na Terra com o que quer apresentar do
“Grande Antes” (“Great Before”, em oposição ao “Great Beyond”), e é
interessante como o estilo muda quando em diferentes lugares, a Pixar sempre
concebendo ideias incríveis.
Joe Gardner
ensaia um grupo de adolescentes em uma escola de Nova York e recebe a proposta
de
ser professor em tempo integral,
mas ele não sabe se é isso o que ele quer para a vida dele – logo depois, ele
ganha a oportunidade de tocar com Dorothea Williams, uma jazzista famosa, e ele
acha que
aquilo vai mudar a sua vida…
na empolgação e no descuido, no entanto, ele acaba caindo em um buraco e
morrendo. Vemos, então, a alma de Joe
Gardner partir em direção ao “Grande Além” (excelente concepção da alma, que é
simples, mas lembra o Joe humano), mas como ele
não quer morrer, ele faz de tudo para voltar, e é assim que ele
acaba caindo no “Grande Antes”, o que eu achei
a melhor ideia do filme… muitas vezes já nos perguntamos o que vem
depois da vida, mas e o que vem
antes?
“Soul”, então, apresenta todo um novo e interessante universo.
Estamos no
“Grande Antes” ou, como agora o chamam, o “Seminário Você”. Aqui, almas que
ainda não nasceram correm por campos e ganham traços de personalidade que
apresentarão assim que forem para a Terra – cada alma, no entanto, tem um
espacinho em branco no
patch que
trazem no peito, que deve ser preenchido pelo que eles chamam de “faísca”:
algo que lhes chama a atenção, que vai ser
marcante e, de certa forma, definidor da vida que eles levarão na Terra.
Gosto muito de todo o conceito e gosto particularmente do uso de animações que
lembram mais o 2D, ou, em algumas ocasiões como no Salão de Tudo, o esboço.
Afinal de contas, aquela é uma ideia
abstrata, um lugar imaterial que apenas simula a vida na Terra, para que as alminhas
possam ser despertadas e então descer para a vida real… achei tudo
realmente brilhante!
Momentos de
comédia são perfeitamente equilibrados para amenizar o clima dessa reflexão
toda. Gosto particularmente de 22, a alma
difícil
que é designada a Joe quando ele finge que é um mentor – essa alma não quer ir
para a Terra e, por isso, passou milhares de anos no Seminário Você, dando dor
de cabeça a uma série de mentores como Abraham Lincoln ou a Madre Teresa, o que
rende excelentes tiradas ao longo do filme, por sinal! 22 é o carisma extra de
que o filme precisava para chamar a atenção, também, das crianças, e penso um
pouco em Joe e 22 como o público de
“Soul”.
Enquanto nos vemos muito em Joe, por exemplo, será que as crianças conseguiam
se ver em 22? Agora, ambos vão se ajudar: Joe quer encontrar uma maneira de
voltar para o seu corpo a tempo da apresentação com Dorothea, e 22, ao
contrário de tudo o que diz, talvez queira encontrar sua faísca.
Vários
conceitos de
“Soul” são
interessantíssimos, como as pessoas que estão tão envolvidas nas coisas que
estão fazendo que parecem
transcender,
e acabam na “Zona”, um lugar onde as almas se encontram, por exemplo… ou
aquelas pessoas que se tornaram “almas perdidas”, consumidas pela ansiedade e
por obsessões. Joe Gardner acaba conseguindo retornar à Terra, mas ele está tão
afoito e pensando em si mesmo, como sempre, que ele acaba fazendo tudo de
qualquer jeito e a confusão faz com que 22 caia em seu corpo, e ele caia no
corpo de um
gato que tinha sido
trazido ao hospital para uma gatoterapia. Daqui em diante, estamos de volta à
Terra, e o filme apresenta algumas das suas melhores cenas, que podem ser
divertidas ou reflexivas, ou ambas ao mesmo tempo… talvez, agora, 22 encontre
sua faísca; e talvez Joe aprenda o que é
viver.
Gosto muito
das cenas da Terra, especialmente porque 22 está aprendendo a não achar a Terra
tão
estúpida assim e começando a ter
vontade de nascer, e Joe Gardner pode começar a perceber o que estava fazendo
com a sua própria vida… 22 tem dois momentos excelentes no corpo de Joe
Gardner, o primeiro deles quando ela ajuda uma aluna de 12 anos que estava
pensando em desistir da música, mas, na verdade,
ama aquilo; e o segundo conversando com o barbeiro a que Joe
Gardner vai há anos, mas de quem
não sabe
absolutamente nada porque nunca se preocupou em perguntar. A experiência
toda é tão intensa que, na hora de devolver a Joe o corpo, 22 não quer:
essa é a sua única chance de achar a faísca,
ela diz. Então, na confusão, eles acabam sendo capturados por Terry e
levados de volta ao Grande Antes, ou ao Seminário Você.
A briga de
Joe e 22 ali é pesadíssima e triste… Joe é egoísta o suficiente para dizer a 22
que ela só estava gostando da Terra porque a estava experimentando através
dele, incentivando um pensamento que consome lentamente 22 há muito tempo:
que talvez ela não seja boa o suficiente.
Assim, ela entrega para ele a passagem para a Terra que ela ganhou (ela
encontrou sua faísca!), porque era o que ele sempre quis mesmo, e ele pula de
volta à vida, faz um show com Dorothea, recebe os aplausos do público…
mas ele não se sente exatamente como
esperava se sentir quando algo assim acontecesse. Quando ele diz isso a
Dorothea, ela conta a história de um peixinho que estava “procurando o oceano”,
até descobrir que, na verdade,
ele já
estava no oceano, e o oceano era apenas água… talvez Joe já estivesse o
tempo todo no seu “oceano”, só não soube ver.
O fim do
filme traz um retorno de Joe ao mundo das almas através da Zona, quando ele
está tocando piano e “transcende”, e então ele procura 22, agora uma Alma
Perdida, para entregar-lhe sua passagem e dizer que ela é boa, sim, muito boa…
eu acho que o filme tem duas mensagens importantes. Uma delas tem a ver com 22
e a conclusão a que Joe chegou a respeito da “faísca”:
que esse é o propósito da sua vida, mas Jerry explica que não é,
que as coisas não são assim tão simples. Afinal de contas, é por isso que é uma
“faísca”, apenas algo que vai
iniciar
outra coisa muito maior. No fim, não sabemos
exatamente qual é a “faísca” de 22, mas importa? Quantas pessoas
estão aqui, em vida, sem saber exatamente qual é a sua “faísca”?
E não tem problema. Não podemos viver em
busca de um “propósito” eterno e nos esquecermos de, de fato,
viver, não é?
O mesmo vale
para Joe Gardner. Eu acho, no fim, que o “propósito” dele, se ele quiser chamar
assim, era ensinar e inspirar, como ele fez com o cara que o chamou para tocar
com Dorothea, com a aluna de 12 anos e, por fim, com 22…
mas ele não se permitia ver e entender isso achando que ele devia estar
fazendo outra coisa da vida, como tocando jazz em um clube com Dorothea
Williams. E quantas vezes nós deixamos de viver o que temos no momento para
postergar essa felicidade até “depois” de alguma coisa? E se esse depois for
tarde demais? E se morrêssemos hoje, como o Joe, e percebêssemos que não
fizemos nada da nossa vida? Precisamos parar de projetar a felicidade para
“depois que eu terminar a faculdade”, “depois que eu tiver um bom emprego”,
“depois que eu construir a minha casa” e aprendermos a ser feliz agora, nesse
momento.
Viver cada minuto.
É o que Joe
vai fazer com a sua segunda chance. É o que todos devíamos fazer.
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