Por que as pessoas são tão aficionadas a rótulos?
Um amado e atemporal
clássico dos anos 1980, “O Clube dos
Cinco” conta a história de um sábado
de detenção – quando cinco alunos, cada um de um “grupo” diferente e que
nunca se falaram antes na escola, precisam passar oito horas juntos e sobreviver.
No meio de uma série de brigas, eles
acabam descobrindo que são mais que “um atleta”, “um nerd”, “uma princesa”,
“uma neurótica” e “um marginal”. Conseguimos reconhecer a direção de John
Hughes – também responsável por outro clássico que eu amo, “Curtindo a Vida Adoidado” – embora os filmes sejam bem diferentes
um do outro, e é impressionante como nos aproximamos desses personagens ao
longo de um dia, e como eles estão
diferentes quando deixam a detenção, às quatro da tarde, do que eles eram
quando entraram, às sete da manhã… se
continuaram sendo na segunda, é um mistério.
O filme
mexeu comigo, o suficiente para eu estar chorando no final, naquela memorável
cena em que, sentados no chão da biblioteca, eles compartilham suas histórias e
os motivos que os levaram à detenção…
e
esse é um “mistério” recorrente do filme: o que o atleta e o nerd fizeram para
estar ali, por exemplo? Gosto de como o filme está concentrado no cenário
da escola e em apenas um dia. Começa com a chegada dos cinco à escola, e é
evidente que
aquilo vai ser um desastre…
o professor, amargurado e cansado da profissão, os manda ficarem sentados, os
proíbe de se mover, e pede que cada um escreva uma redação sobre “quem eles
acham que são”, e então os deixa sozinhos… eles estão bravos de estarem ali num
sábado, cada um lidando com seus próprios fantasmas, então é natural que os
adolescentes
estejam no limite…
E por isso
eles brigam tanto…
E porque
John Bender, o “marginal”, adora provocar a todos, o tempo todo… John Bender é,
na verdade, um personagem bastante infeliz, de quem nós aprendemos a gostar,
eventualmente – pelo menos um pouco. Mas ele é irritante e cansativo, porque
ele está com raiva do mundo, quer descontar em qualquer um e adora caçar briga…
ele provoca as meninas, debocha dos meninos, e acaba compartilhando a história
de sua família, e ele realmente
tem uma
família difícil, o que me faz pensar que ele está de detenção (e não se
importou de pegar detenção pelos próximos 8 sábados, pelo menos) porque, para
ele,
é melhor estar ali do que estar em
casa com os pais. Os outros quatro continuam
irritados com as provocações e grosseria constante, mas a verdade é
que eles conseguem ver o quanto, no fundo, ele precisa de um amigo.
Ou de
qualquer tipo de ajuda.
“O Clube dos Cinco” também traz algumas
cenas divertidas que eu adorei, embora esse não seja, no fim, o foco do filme. Dentre
essas cenas divertidas, temos a cena dos cinco correndo pelos corredores da
escola, tentando enganar o professor para escapar da escola (e John acaba se
sacrificando por eles, no fim); ou a cena em que John é separado deles e invade
a biblioteca pelo teto (!), e todos eles o ajudam a se esconder, escondendo
seus barulhos com batidas nas mesas e tosses fingidas; ou ainda a excelente
cena do almoço, cada personagem com a sua peculiaridade, como a quantidade de
comida de Andrew, o “atleta”, ou o sanduíche maluco de Allison, a “neurótica” –
destaque para o fato de John
não ter
trazido almoço algum; e, por fim, aquela divertidíssima cena em que eles
fumam maconha juntos e temos algumas das cenas mais icônicas do filme.
Brian, o
“nerd”, chapado é UMA DAS MELHORES COISAS DO FILME!
Aos poucos,
inevitavelmente, estranhos laços surgem entre eles… não é que eles se tornem
amigos de verdade, nem nada assim, mas eles se tornam
algo – há a semente de uma possível amizade ali que nasce da
compreensão e da
cumplicidade. Existe a cumplicidade que fez com que John Bender se
entregasse para proteger os outros quatro enquanto eles voltavam para a
biblioteca quando todos tentaram escapar, ou que faz com que Brian mantenha a
maconha escondida na cueca, porque sabe que o professor nunca desconfiaria dele,
ou ainda o “choque” nascido da percepção de que
os outros têm problemas sérios com que lidar diariamente… e uma
série de diálogos menos importantes que acontecem durante o dia (a “namorada”
de Brian no Canadá!), que ajudam a completar esse dia tão intenso e que
significou tanto para todos.
Mas eles
ficam amigos de verdade, ou algo mais que isso, naquela cena em que eles se
sentam no chão e conversam – aquela cena é longa e dura quase todo o último ato
do filme, e é ali que sentimos que
os
conhecemos de verdade… e é ali que eles se revelam, que eles permitem que
os outros os vejam como eles realmente são, com os seus problemas, com as suas
inseguranças e dúvidas… e seus medos. Acho que aquela cena contém todo o mote
do filme:
a maneira como às vezes as pessoas
julgam umas às outras, mas não são assim tão diferentes umas das outras…
cada um enfrenta um tipo de problema, mas isso não significa que seu problema
seja maior ou menor do que o do outro. Cada um está lidando com algo, e é
importante que eles percebam que
os
outros estão passando por coisas que às vezes a gente nem imagina.
Acho que
isso está fortíssimo nos personagens de Andrew e Brian, nessa última parte do
filme… descobrimos já que Claire tem todo um problema com ser virgem, John vem
de uma família abusiva, e Allison se revela “uma mentirosa compulsiva”, mas
algo que ouvimos durante o filme, especialmente durante as provocações de John,
é que “algumas pessoas não têm problemas”. Ele não diz com essas palavras, mas
vindo de sua família e de seus próprios problemas, ele não consegue imaginar
que tipo de problema Andrew, o atleta popular, pode ter; ou que tipo de
problema Brian, o aluno perfeito e bom filho, pode ter. E os dois compartilham
suas histórias nessa cena e é um momento fortíssimo… diz-se que essa cena, no
roteiro do filme, não tinha falas, e os atores tiveram a liberdade de
improvisar e dizer o que queriam.
E ficou
incrível e doloroso!
Andrew, o
“atleta”, compartilha o motivo que o levou à detenção, e tem a ver com
bullying que ele fez contra um garoto,
mas o que torna o seu relato doloroso é a forma como ele conta a história em
detalhes, eventualmente nos tornando
cúmplices
de suas atitudes, e como entendemos que
ele
nunca quis fazer algo assim… ao fazer o que fez, machucando de verdade esse
outro garoto, ele só consegue pensar na
humilhação
que foi para ele, e como foi chegar em casa e ter que explicar para sua família
o que ele fez… e Andrew ainda explica que ele fez o que fez
por causa do pai, não por causa dele.
Ele fez porque o pai, que é um babaca, vive contando sobre o seu tempo de
escola e Andrew tem medo de não ser “legal” o suficiente para o pai… é tudo
movido pela insegurança, pela pressão, e isso pesa demais sobre Andrew… forte.
Mais forte
ainda, para mim, foi ouvir o relato de Brian, o “nerd”, e ele me levou às
lágrimas, porque muitas vezes as pessoas
não
dão atenção para um relato como o dele… em algum momento da cena, ainda
antes de Claire “mostrar suas habilidades com o batom”, ele comenta sobre como
tirou um F na aula de marcenaria porque tinha que fazer um abajur de elefante e
a luz não acendia, e é muito fácil
olhar para ele e desmerecer seu problema:
“É
isso que te faz sofrer?” Mas a gente nunca pode julgar a dor do outro…
quando a fala
volta para ele, quando
sugerem que ele não entende a “pressão”, Brian compartilha o motivo que o levou
à detenção:
o diretor encontrou uma arma
no seu armário. A maneira como ele fala de seu fracasso, como fala que não
pode ter um F no seu histórico, e como isso lhe dói a ponto de pensar em tirar
a própria vida…
Quantas pessoas não passam por isso? Eu sou
professor… eu sei, eu vejo.
E isso me
doeu demais. Chorei demais ouvindo o Brian!
E, depois
disso tudo, os cinco realmente criaram um laço que talvez
eles nunca tenham tido com mais ninguém… que eles não têm com seus
“amigos” do dia-a-dia, porque ali, pela primeira vez, eles puderam ser eles
mesmos, deixar que os outros os vissem como eles realmente são, e isso é íntimo
demais! Eles descobrem que todos têm problemas, que ninguém se dá bem com os
pais, e eles se perguntam se se tornarão seus pais quando forem adultos, e
chegam à conclusão de que isso
é
inevitável, o que também é doloroso. E eles se perguntam, por fim, a
respeito do que será deles quando a detenção acabar…
como eles agirão na segunda de manhã? Eles ainda serão amigos? Na
verdade, Claire e Andrew acham que não, por causa de todas as pressões sociais,
e eu sofri com as lágrimas de Brian, porque naquele momento ele teve esperanças
de que as coisas mudassem…
Que ele não fosse mais invisível.
O que será
deles na segunda, não sabemos… eu gostaria de pensar que eles não voltaram para
suas vidas antigas, para suas máscaras, para as suas fronteiras, que Allison e
Brian, principalmente, não estariam sozinhos… mas não sei. No fim, apenas uma
redação é escrita, por Brian, e é um verdadeiro
tapa na cara do professor e da escola, porque ele diz que não há
motivo para escrever uma redação sobre “quem eles pensam que são”, se ele
sempre vai vê-los do jeito que ele quer, dentro dos rótulos pré-estabelecidos:
o atleta, o nerd, a princesa, a neurótica e
o marginal… mas a verdade é que eles são muito mais do que esses rótulos
podem representar, porque todos somos. E Brian fica muito satisfeito com as
palavras que escreveu, que são poucas, mas dizem tudo o que eles sentiram e
aprenderam nesse dia de detenção…
e ele
assina como “O Clube dos Cinco”.
Emocionante!
Amo o filme!
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Impressionante como o filme é tão atual mesmo sendo de 85
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