Amor, Sublime Amor (West Side Story, 2021)
“Somehow… someday… somewhere”
Que tarefa
difícil a de regravar um clássico musical adorado 60 anos depois do filme
original… “West Side Story” estreou
pela primeira vez nos palcos em 1957, um musical de Stephen Sondheim que
adaptava a história de Romeu e Julieta para, na época, a atualidade, com a
história do trágico amor do casal contada, agora, através do romance de Tony e
Maria, e a rivalidade entre as famílias Montecchio e Capuleto sendo substituída
por uma luta de gangues na Costa Oeste de Nova York, onde ianques e
porto-riquenhos brigam por território e dignidade. Em 1961, o musical foi
adaptado para um filme de mesmo nome, que se tornou um clássico do gênero,
inclusive influenciando outras obras musicais que vieram mais tarde (é possível
notar elementos que inspiraram músicas, cenários e histórias de “In the Heights”, por exemplo), sempre
relembrada com muito carinho.
A versão de
2021, lançada 60 anos depois do filme original (!), é uma produção de Steven
Spielberg que, eu preciso dizer, é apaixonante
– e possivelmente eu gosto ainda mais dela do que do filme original de 1961.
Com extremo cuidado e respeito à versão clássica, Steven Spielberg entregou um
filme visualmente impactante e que nos remonta não apenas a essa Nova York da
década de 1950, mas aos filmes da época, graças à fotografia e à direção
brilhantes. Destaco, naturalmente, os grandes números musicais e as
coreografias que eu podia continuar assistindo por horas… com alguns problemas
de bastidores e lançamento reduzido por uma série de fatores, o filme não
alcançou o grande público, é considerado um fracasso de bilheteria, mas
encantou àqueles que chegaram a ele, conquistando, por exemplo, vários prêmios
e uma aprovação de 92% da crítica especializada e 94% do público no Rotten
Tomatoes.
Musicalmente,
o filme tem muita personalidade – com melodias conhecidas até por quem não é
tão especialista em musicais, “West Side
Story” nos entrega momentos como a sempre impactante “Tonight”, que é um momento íntimo e poético entre Tony e Maria, ou
a intensa “America”, certamente um
dos melhores momentos do filme, protagonizado por Anita e todo um grupo de
bailarinos impecáveis; também destaco “Somewhere”,
sobre a qual falarei mais daqui a pouco, e “One
Hand, One Heart”, que é uma música que me toca profundamente, porque tem o
estilo de música de musicais clássicos como “The
Phantom of the Opera” (eu poderia facilmente acreditar que é a Christine e
o Fantasma cantando, se eu não conhecesse) ou… bem, “West Side Story”. Músicas que transmitem a intensidade e
melancolia impossível de se descartar quando se fala de “Romeu e Julieta”.
O filme
começa enfatizando a rivalidade entre os Jets, um grupo formado por garotos
brancos nascidos em Nova York e que se sentem os donos do lugar, e os Sharks,
um grupo formado por porto-riquenhos que vivem ali. A rivalidade entre os Jets
e os Sharks é um tema central do filme, como a briga entre os Montecchio e os
Capuleto é em “Romeu e Julieta”, e eu
acredito que essa briga entre as gangues gera alguns dos momentos musicais mais
interessantes de “West Side Story”,
porque eu sou apaixonado pelas
coreografias que acompanham as brigas… os Jets dançando pelas ruas, por exemplo,
o desafio entre as gangues durante o baile no ginásio da escola, e “Gee, Officer Krupke”, que embora seja
cantada pelos Jets, que são desprezíveis e cada vez mais (no fim do filme eles
têm cenas nojentas), é inegavelmente um dos melhores números musicais da obra.
O romance de
Tony e Maria, por sua vez, nasce à primeira vista (preciso dizer o quanto a
direção de Steven Spielberg deixou esse momento LINDO enquanto Tony e Maria se
viam através das pessoas dançando no baile pela primeira vez!) e se torna intenso
muito rapidamente, exatamente como o de suas contrapartes na obra
shakespeariana. Sou um eterno apaixonado por “Tonight”, e é incrível como a cena é uma “adaptação” perfeita da
sequência mais famosa de “Romeu e
Julieta”, que é quando Romeu visita Julieta e ela conversa com ele de cima
da sacada. “Tonight” é esse mesmo
momento para Tony e Maria, e é lindo como ele escala para estar perto dela,
como eles conversam e marcam de fugir juntos no dia seguinte… no mesmo dia em que os Jets e os Sharks
terão um duelo – a maior e mais sangrenta briga que eles já tiveram.
“West Side Story” é bastante trágico – mas
como não seria? O romance que floresceu em poucos dias e parece quase exagerado
(mas jovens vivem tudo intensamente,
eu acredito) está fadado a um final trágico tendo em vista que Tony é um dos líderes do s Jets e Maria é a
irmã mais nova do líder dos Sharks… como poderia dar certo? Tony até tenta
acabar com a briga antes de ela começar (“Cool”,
música na qual Tony e Riff brigam por uma arma, é outra cena incrível do
filme!), a pedido de Maria, mas é impossível: as gangues já estão decididas demais a levar isso adiante. E o
fazem, em um duelo grandioso que acaba com duas mortes: primeiro, Bernardo, o
irmão de Maria, acaba matando Riff e, no calor do momento, Tony usa a mesma
faca para matá-lo… e nos perguntamos como
poderia ser possível o romance de Maria com o assassino de seu irmão.
Isso é
questionável, não posso negar… é muito estranho e até desconfortável ver Maria abraçar Tony quando ele vai visitá-la
depois de ter matado Bernardo (embora, primeiro, ela bata nele e grite com ele)
e, no lugar de Anita, eu acho que eu teria feito muito mais do que ela fez
durante “A Boy Like That”, mas Maria
diz que ama Tony e não pode escolher quem amar… aqui, no filme original, Maria
e Tony compartilham uma cena na qual se perguntam se existe algum lugar em que
poderão viver em paz o amor deles, com “Somewhere”,
uma das músicas mais famosas e fortes de “West
Side Story”, e o filme de 2021 resolveu entregá-la a outra personagem, em
uma homenagem lindíssima: no novo filme, a música fica com Valentina, a
protetora de Tony que substitui o personagem de Doc, interpretada por Rita
Moreno, atriz que interpretou Anita no filme de 1961 e que ganhou um Oscar como
Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel.
É lindíssimo
vê-la no filme de 2021, e dar a ela uma música tão importante quanto “Somewhere” conferiu ao momento uma
emoção imensa pela qual eu não estava esperando… belíssimo, de fato!
No fim,
sabemos da tragicidade que nos aguarda, e “West
Side Story” termina com uma melancolia profunda enquanto a rivalidade entre
as gangues conduz Maria e Tony a um final infeliz. Assim como, em “Romeu e Julieta”, Romeu busca a própria
morte ao acreditar que Julieta tomou veneno e está morta, em “West Side Story”, Tony sai gritando aos
quatro ventos para que Chino, que supostamente matou Maria, também o leve.
Então, Tony leva dois tiros, mas ainda tem a chance de ver Maria chegando
correndo com uma mala na mão, pronta para fugir com ele, e morre nos seus
braços, em um momento trágico e intenso que talvez acabe com a rivalidade entre
os Jets e os Sharks, de uma vez por todas: os três principais líderes estão
mortos, e talvez eles finalmente estejam
cansados dessas brigas e mortes… um final forte e melancólico, um filme
poderoso e visual e musicalmente impecável. Adorei.
Para reviews de outros FILMES, clique aqui.
Comentários
Postar um comentário