Sítio do Picapau Amarelo (1978) – Cupido Maluco: Parte 1

“A humanidade tá sofrendo de uma crise de amor!”

A PRIMEIRA HISTÓRIA DE RENY DE OLIVEIRA COMO EMÍLIA. É sempre um prazer imenso visitar a versão do “Sítio do Picapau Amarelo” que foi ao ar entre 1977 e 1986 – “Cupido Maluco”, escrita por Benedito Ruy Barbosa e exibida em 20 capítulos, é a primeira história da segunda temporada do programa, em 1978, e mostra a bonequinha de pano e olhos de retrós tentando resolver o problema da “falta de amor” que tanto está preocupando a Dona Benta… ela decide que, se o que falta é amor, o Cupido poderia resolver isso, por isso ela usa a palavra mágica para ir até o Olimpo e encontrá-lo! Como quase sempre, Emília tem uma boa intenção, mas ela acaba causando mais confusão do que trazendo soluções, e é uma delícia acompanhar o festival de flechadas que toma conta do Sítio do Picapau Amarelo, enquanto a bonequinha sai flechando a torto e a direito.

A história começa com Emília toda curiosa a respeito do “amor”, depois de o Zé Bento ter comentado algo a respeito. Então, a bonequinha vai conversar com o Visconde de Sabugosa, para que ele lhe explique o que é o amor, e que gosto e cheiro o amor tem. Quando o Visconde diz que o amor é um sentimento e, portanto, não tem nem cheiro nem cor, Emília decide que, então, o amor “não tem graça”. Na verdade, o Visconde não consegue colocar em palavras o que seria o amor (embora ele saiba senti-lo), e diz apenas que “amor é amor e não dá para explicar” – ele também diz que ela não entenderia, já que é apenas uma boneca de pano recheada de macela e que nem coração tem… Emília devolve na mesma moeda, perguntando se ele pode entender o que é o amor, já que ele é um sabugo de milho e, até onde sabe, também não tem coração!

Como a conversa com Visconde resulta infrutífera, Emília vai conversar com outras pessoas em busca de uma resposta, e eu sempre acho fascinante ver a Emília tentando entender mais a respeito de sentimentos humanos – nos livros, é um processo longo da Emília deixando de ser boneca de pano para se tornar gente, e são esses aprendizados que concretizam essa transição. Depois do Visconde, Emília conversa com o Tio Barnabé e com a Narizinho, para quem ela pergunta se ela já sentiu amor, e Narizinho diz que não… pelo menos não “desse tipo de que ela está falando”, o que deixa a Emília assombrada: “Como assim? Não tem um só?” Dona Benta é a última pessoa que Emília procura em busca de uma resposta, e Dona Benta diz que “o amor é o tempero da vida”, mas diz também que esse é um tema interessante para os serões daquela noite.

“Cupido Maluco” é uma história inédita, não diretamente adaptada da obra de Monteiro Lobato, mas é fortemente influenciada por “A Chave do Tamanho” – se em “A Chave do Tamanho” Dona Benta está horrorizada com as notícias da guerra que lê no jornal e Emília decide fazer algo a respeito disso e tenta “desligar a chave da guerra”, desligando a chave do tamanho por engano e causando problemas, em “Cupido Maluco”, a Dona Benta está igualmente chocada com as notícias que lê no jornal e fala sobre como a humanidade “está sofrendo uma crise de amor”; a bonequinha, então, na tentativa de alegrar a vovó, resolve buscar o Cupido para que ele faça o seu trabalho direito: “Se é o tal do Cupido que espalha amor pelo mundo, então o danadinho deve estar muito preguiçoso! […] Precisamos ter uma conversinha”.

Vale ressaltar que “A Chave do Tamanho” só foi adaptado em 1981, na quinta temporada, e certamente os planos do programa ainda não previam histórias com tanta antecedência – portanto, vários elementos do livro de “A Chave do Tamanho” são aproveitados para “Cupido Maluco”, em diálogos e motivações muito parecidos e que traduzem mais ou menos a mesma mensagem, com críticas às guerras e tudo, por exemplo.. A história ainda aproveita para desenvolver o único personagem do elenco fixo que está continuamente apaixonado: o Visconde de Sabugosa, que ama a Emília de todo o coração. Motivado pela pergunta da bonequinha sobre o “amor”, o Visconde decide ler “Romeu e Julieta”, e o seu amigo Vidro Azul fica o provocando, dizendo que ele está lendo e se colocando no lugar do Romeu e imaginando “uma certa bonequinha” no papel de Julieta. E é justamente o que está acontecendo

Adorei Emília e Visconde fazendo a famosa cena da sacada de “Romeu e Julieta”

Mas com um toque de Emília no texto de Shakespeare HAHAHAHA

Lendo e permitindo que “a imaginação realize seus sonhos”, o Visconde acaba pegando no sono e é despertado por Emília, que o está acordando “para falar de amor”: já decidida com o que quer fazer, ela pede a ajuda do sabugo para encontrar o Cupido, porque “as flechas dele são envenenadas de amor” e isso vai resolver o problema sobre o qual a Dona Benta está falando… eu adoro como o “Sítio do Picapau Amarelo” trabalha com as mitologias, e é uma delícia ouvir o sábio Visconde de Sabugosa contando às crianças a história da Mitologia Grega e Romana sobre o Cupido – já comentei outras vezes, mas tenho a sensação de que o “Sítio” nem precisava de mais nada para funcionar bem: fingir que somos os netos de Dona Benta e ficar ouvindo enquanto ela, o Visconde ou a Tia Nastácia contam histórias já é uma delícia… já nos leva por mundos incríveis!

Sabendo onde encontrar o Cupido, então, Emília pega um atlas na biblioteca de Dona Benta para encontrar a Grécia, e então usa a palavra mágica, Pirlimpimpim, para viajar até onde moram os deuses – Emília vai parar no Olimpo! Uma vez no Olimpo, Emília conhece Baco ou Dionísio, o deus do vinho, e já começa a explicar sua situação e perguntar sobre “o danadinho do Cupido”, que “deve estar muito distraído sem cumprir sua obrigação”: “Eu tô precisando dele pra esparramar bastante amor na Terra, porque, como diz a Dona Benta, a humanidade tá sofrendo de uma crise de amor!” Depois de conversar com Dionísio, beber vinho e ficar toda alegrinha (!) e soluçando, e negociar com Júpiter, que fica bravo por ter uma mortal no Olimpo, Emília consegue o que queria, e Júpiter permite que ela veja o Cupido, e ela o leva consigo para o Sítio de Dona Benta.

Nós sabemos que a confusão vem!

Apenas Emília pode ver o Cupido e, consequentemente, seu arco e suas flechas, o que quer dizer que fica difícil até para alguém impedir Emília de fazer loucuras. Emília retorna ao Sítio durante a noite, depois de muitas horas fora, e leva o Cupido de quarto em quarto para explicar quem cada pessoa é, e depois o coloca para dormir na sua própria cama, e pede um espacinho na cama de Narizinho para ela – a relação de Emília com o Cupido é bastante maternal, algo também muito forte nos livros, e me lembra bastante a relação da bonequinha com o anjinho da asa quebrada… inclusive na maneira como ela o chama de “Formosura”. No dia seguinte, Emília quer começar logo os trabalhos… ela explica toda a situação, fala sobre a crise de amor, e manda o Cupido flechar todo mundo que vê pela frente, e ainda garante: “Se não funcionar, eu me responsabilizo”.

Emília fica desapontada, no entanto, ao ver que o Cupido tem poucas flechas, então o coloca para trabalhar: diz que ele precisa fazer mais flechas e, enquanto isso, ela vai usar as que já estão prontas para flechar algumas pessoas e começar a resolver a “crise de amor” pelos moradores do Sítio, mas sem se preocupar em formar pares nem nada… só vai flechar quem ela acha que precisa de “mais amor”. A primeira vítima da Emília, então, é a Tia Nastácia… Emília a vê brigando com o Rabicó, como ela sempre faz, e decide testar as flechas do Cupido; depois de ser flechada, a Tia Nastácia muda completamente… ela fica toda feliz, começa a falar sobre como o dia e as flores estão bonitas, começa a cantar uma música atrás da outra, e Emília fica radiante: afinal de contas, o seu plano funcionou! Agora, ela só precisa decidir quem é a próxima pessoa que ela vai flechar!

 

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