Close (2022)
Amor em sua forma mais pura.
Lindíssimo.
De uma sensibilidade e beleza impressionantes, “Close” é uma obra de arte humana, intensa e sincera, que conta a
história de uma amizade entre dois garotos de 13 anos, Leo e Remi, que é
brutalmente encurtada da maneira mais trágica possível. O filme traz à tona,
com muita delicadeza, assuntos como a infância, a amizade, o amor, o possível despertar
da sexualidade, a homofobia, a perda e o luto. Além de uma história tocante e
de excelentes atuações, “Close”
também conta com um visual belíssimo e uma direção primorosa que sabe expressar
maravilhosamente bem os sentimentos dos personagens através de muito mais do
que diálogos… a condução da história perpassa um tom quase lírico enquanto tanto está sendo expresso através de
olhares, sorrisos e posturas.
É um filme
belíssimo…um filme tocante. E conversa diretamente com a comunidade LGBTQIA+,
mesmo que o roteiro em nenhum momento coloque em palavras um sentimento romântico entre Leo e Remi. Ainda assim,
a proximidade dos dois indica, sim, uma relação que vai além da amizade, algo
que talvez nem eles mesmos entendam ainda
(e são privados de entender, porque seria um despertar para si mesmo
lindíssimo, saudável e completo), e o que os afasta, eventualmente, é
justamente o preconceito vindo do lado de fora, de maneira sufocante e
limitadora… é a sensação de rechaço e de julgamento que tantos de nós sentimos
em espaços que algumas pessoas quiseram nos fazer sentir que não nos pertencia,
sem qualquer direito de fazerem isso.
A relação de
Remi e Leo é uma das mais ternas e mais belas já retratadas no cinema. A beleza
da cumplicidade plena e entregue deles é representada em uma variedade de cenas
que nos comovem e nos fazem sorrir, todas com uma direção belíssima. Destaco a
emocionante sequência de abertura, quando eles saem correndo tão livres e
felizes no meio das flores, mas toda cena deles é de uma beleza fascinante, e
às vezes nos sentimos até “intrusos”, por estarmos “bisbilhotando” um momento
que é tão deles, como quando eles dormem uma noite toda abraçados. Eles se
conhecem, se entendem e têm um amor tão grande e tão natural um pelo outro que
eles se sentem completamente à vontade
um com o outro. Não importa como, e eles
nem param para pensar e se preocupar, mas eles se amam.
É inegável o quanto eles se amam
imensamente.
Leo e Remi
têm comportamentos que nem sempre garotos se sentem à vontade para ter – o que
é um reflexo da sociedade machista em que vivemos. Não significa
necessariamente que eles estejam apaixonados um pelo outro, mas eles podem
estar, e eu acredito que estavam, mas, de qualquer maneira, é tão bonito ver o
Leo tentando tranquilizar o Remi no primeiro dia de aula e deitando rapidamente
no seu ombro de forma carinhosa, porque isso é o que ele faz para fazer com que
o Remi se sinta melhor… é doloroso comparar essa cena do primeiro dia de aula
com uma cena de alguns dias depois,
quando os cochichos e agressões já começaram pelos corredores da escola, e Remi
deita no colo de Leo durante o intervalo, e Leo tenta se afastar dele.
O que, no
fundo, ele não queria fazer… mas ele faz, por causa da pressão externa. Não dá
para dizer que o Leo estava certo, se afastando de Remi. Mas também não dá para
dizer que ele estava errado, porque ele é apenas um garoto de 13 anos tendo que
lidar com tanto. Errados de fato estavam as pessoas com seus comentários
maldosos, que são o retrato perfeito, cruel e doloroso da sociedade
preconceituosa em que vivemos. Nos primeiros dias, umas garotas perguntam a Leo
e Remi se eles são um casal, e Leo faz de tudo para negar isso; depois, Leo é
chamado de palavras pejorativas que realmente o machucam, então ele resolve se
afastar de Remi, por mais que lhe doa e por mais que doa em Remi, porque ele
está tentando se proteger dos ataques.
Até quando
crianças LGBTQIA+ terão que passar por isso?
Há muito a
se pensar enquanto se assiste “Close”,
e eu realmente senti profundamente cada momento e cada detalhe do filme. Foi
difícil assimilá-lo e vivê-lo, mais do que assisti-lo, porque eu constantemente
me coloquei no lugar daqueles garotos: negando sentimentos, tentando ser o que
não é, suportando comentários homofóbicos que vem de pessoas que você nem
conhece, tendo alguém se afastando de você… durante algum tempo do filme eu fui
o Leo, durante algum tempo do filme eu fui o Remi, e me doeu estar no lugar de
qualquer um deles. Remi tem sequências emocionantes e dolorosas de verdade, a
primeira delas quando Leo faz o que nunca antes tinha feito, e pega o seu
travesseiro e se deita no chão para dormir… e
expulsa Remi quando ele o segue.
Podemos
perceber a confusão de Remi, porque aquilo nunca aconteceu antes, e a dor,
porque ele já sente falta de Leo. A
maneira como ele chora silenciosamente no café-da-manhã do dia seguinte ou como
se recusa a comer é dolorosa. Em outro dia, ainda mais cruel, porque Leo não quis ir dormir na sua casa, Leo vai
para a escola sozinho. A angústia que tomou conta de Remi naquele momento, o
sentimento de abandono quando ele confronta Leo no pátio da escola, na frente
de todo mundo, e a maneira como eles brigam ali e tanta coisa está sendo
colocada para fora… certamente uma das cenas mais dolorosas do filme, e ver as
lágrimas escorrendo do rosto de Remi quando ele é segurado para interromper a
briga foi algo que me machucou demais ao assistir.
Depois do
afastamento vem a notícia da morte de
Remi. No momento em que a mãe de Leo sobe no ônibus para falar com ele, nós
sabíamos do que se tratava, mas é como se estivéssemos em negação, porque é
duro demais acreditar que Remi realmente está morto… e que ele se matou. “Close”
não entra em detalhes a respeito disso, mas entendemos o que aconteceu, até
pela ausência de uma carta de despedida ou qualquer coisa que tanto Leo quanto
a mãe de Remi esperam que o garoto tenha deixado para trás, e ele não deixou.
Além disso, entendemos que quando Sophie, a mãe de Remi, bateu desesperada na
porta do banheiro e pediu que ele não se trancasse lá dentro, provavelmente
significava que Remi tinha algum histórico de automutilação ou tentativa de
suicídio.
E, daquela vez, ninguém pôde evitar.
A dor que
toma conta de Leo e de “Close” é
quase sufocante. A maneira como, em parte, Leo se fecha, mas tenta não parar de
fazer as coisas que fazia, como pedalar até a escola e jogar hóquei, é angustiante
porque sabemos que ele está sofrendo, sabemos que ele sente falta do seu amigo,
sabemos que ele possivelmente se sente culpado, mas ele não consegue colocar
essa dor para fora de nenhuma maneira eficaz… ele não quer falar sobre isso,
ele quer fingir que “está tudo bem”, ele nem mesmo conseguiu chorar desde a morte de Remi, que estava sempre com ele. E nós sabemos
que, mais cedo ou mais tarde, isso terá que vir à tona de alguma maneira. Em algum momento, ele precisará enfrentar a
dor da culpa e da perda, ou então ele não poderá seguir em frente.
As cenas de
Leo com a família, especialmente com o irmão, são incrivelmente bonitas e
sensíveis. Eu imagino o desespero que é, para a família, estar naquela posição,
e eles conseguem mostrar-se presentes sem sobrecarregar o Leo ou sem pressionar
para que ele fale sobre o que aconteceu antes que ele esteja pronto… o irmão se
mostra verdadeiramente incrível. Gosto muito de três cenas de Leo com o irmão:
a primeira quando Leo faz xixi na cama durante a noite e vai dormir com ele; a
segunda quando percebemos que Leo está regularmente dormindo com o irmão,
porque não quer dormir sozinho, e em uma noite ele diz a ele que “sente a falta
de Remi”, e o irmão o abraça para dormir, porque não há nada que ele possa
dizer; e a terceira quando eles brincam na plantação e voltam para casa
abraçados.
É uma
relação tão bonita!
“Close” nos permite acompanhar Leo
através de toda a sua dor, e temos alguns momentos-chave no qual percebemos que
a sua dor está prestes a ser colocada para fora, finalmente. Uma delas é quando
ele diz ao irmão que sente a falta de Remi. Outra é quando ele se estressa na
escola com os colegas falando sobre Remi, porque a verdade é que ninguém o conhecia de verdade além dele,
e ele sente que o decepcionou ao abandoná-lo como fez. Mas a mais bonita de
todas acontece quando Leo quebra o braço durante um treino de hóquei e,
enquanto o médico enfaixa o seu braço para, depois, colocar o gesso, Leo começa
a chorar. É belíssima a maneira como as cenas se prolongam para transmitir a
emoção pretendida, e como não há a necessidade de longos diálogos forçados.
A naturalidade e a intensidade com que as
lágrimas de Leo caem naquele momento dizem tudo.
Também é
extremamente importante a relação de Leo com Sophie, a mãe de Remi. Como Leo
sempre foi muito próximo de Remi e dormia quase diariamente na casa deles,
Sophie o tinha quase como seu filho, mas depois da morte de Remi, Leo não
consegue se obrigar a visitá-la, ou mesmo a falar com ela… porque ele se sente culpado pela morte de Remi, por tê-lo afastado.
E, aos poucos, Leo vai se aproximando dela em várias das cenas mais
emocionantes do filme, como quando os dois conversam enquanto tomam água na
cozinha, quando Leo pede para visitar o quarto de Remi ou quando Leo aparece de
surpresa no trabalho dela e, no caminho de volta para casa, ele conta que “a
culpa é dele” e chora. O abraço dos dois
no meio da floresta, como se Sophie estivesse dizendo que a culpa não é dele, é
lindo e triste.
O filme é um
marco. Sendo aclamado pela crítica e pelo público, tendo concorrido ao prêmio
de Melhor Filme Estrangeiro na cerimônia do Oscar desse ano, e tendo recebido
27 prêmios de festivais e outras premiações pelo mundo, além de tantas outras
indicações, “Close” é realmente um
espetáculo. Repleto de humanidade e coração, o filme é o retrato do mais puro
amor entre dois garotos, e como o preconceito tão entranhado em nossa sociedade
danifica algo que não tinha nada de errado e não fazia mal a ninguém, levando a
vida de um garoto e deixando o outro para lidar com o luto… melancólico, mas
belo, o filme tem um quê poético que faz parte da própria condução das cenas e
sentimentos, e proporciona uma experiência intensa, realista e emocionante, a
ser assistida e sentida.
Impossível
terminar o livro sem sentir-se reflexivo.
Incrível.
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