Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo (Benjamin Alire Sáenz)
“Dante sabe nadar. Ari não. Dante é articulado e confiante. Ari tem
dificuldade com as palavras e duvida de si mesmo. Dante é apaixonado por poesia
e arte. Ari se perde em pensamentos sobre seu irmão mais velho, que está na
prisão. Um garoto como Dante, com um jeito tão único de ver o mundo, deveria
ser a última pessoa capaz de romper as barreiras que Ari construiu em volta de
si. Mas quando os dois se conhecem, logo surge uma forte ligação. Eles
compartilham livros, pensamentos, sonhos, risadas – e começam a redefinir seus
próprios mundos. Assim, descobrem que o amor e a amizade talvez sejam a chave
para desvendar os segredos do Universo.”
Um belo
retrato de como é ser jovem, se apaixonar e “descobrir os segredos do
universo”. Ambientada em El Paso, em 1987, a história de “Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo” acompanha
duas vivências distintas de adolescentes gays descendentes de mexicanos vivendo
nos Estados Unidos… de um lado, temos Dante, que parece ser mais descontraído e
confiante, e não tem medo de sentir e
expor o que sente; de outro, Aristóteles, um cara de poucos amigos e de poucas
palavras, que guarda muito mais para si as dúvidas, angústias e incertezas da
vida; e, em algum momento, o caminho dos dois se cruza em uma piscina pública e
Dante se voluntaria para “ensinar Ari a nadar” – o início de uma história
bonita e cheia de revelações para ambos… e é extremamente prazeroso poder
acompanhar os dois nessa jornada deles.
Confesso que
o livro demorou algumas páginas para me prender, não foi um amor imediato, e
quase achei que não conseguiria terminá-lo – comecei o livro com críticas
ferrenhas à escrita, que é bastante simples, mas não de uma forma que apenas o
torne mais acessível, mas de uma
maneira que parece tirar o brilho da poesia
que a história exigia… o excesso descritivo e sequencial da narração, repleta
de frases curtas, me incomodou inicialmente, bem como os diálogos que me
pareceram pouco naturais (ou que tentavam tanto ser naturais que pareciam quase
vazios e com falas desnecessárias), e uma tendência a falar mais do que mostrar.
Poderíamos ter explorado melhor os primeiros dias da amizade de Dante e Aristóteles, por exemplo, mas o autor é breve e
rápido nessa parte, e só nos conta sobre como eles se aproximaram e passaram a
conversar e rir muito…
Só vamos ver isso acontecer depois que a amizade
está supostamente “estabelecida”.
Eventualmente,
no entanto, o livro evolui, e me parece que tem a ver com o que o autor falou
em seus agradecimentos, sobre ter começado a escrever o livro, parado e ter
retomado mais tarde a escrita. Embora o livro continue tendo frases curtas que
poderiam ter sido trabalhadas com mais conjunções (a sequência em que o pai de
Ari cona sobre a Guerra do Vietnã, por exemplo), é notável o avanço da escrita
e quase me inclino a dizer que é proposital,
conforme o próprio Ari se torna mais complexo ou mais do que isso: conforme
Dante vai impulsionando Ari a pensar mais sobre si mesmo, sobre seus
sentimentos e a falar mais… talvez o início do livro seja mais uma
representação do Ari fechado e breve, de poucas palavras, e a escrita evolui
como o Ari evolui (isso não justifica, ainda, o excesso de literalidade e
descrição de sequência de eventos, mas acho que podemos ignorá-lo).
Tentando
buscar significado mesmo em pequenos
detalhes, tenho uma interpretação a respeito de por que não vemos muito de como
as coisas começaram entre Ari e Dante a não ser pela cena inicial da piscina:
às vezes, quando nos apaixonamos, não conseguimos traçar racionalmente uma
lógica para como as coisas aconteceram… conhecemos alguém e, quando nos damos
conta, estamos tão envolvidos que parece que aquela pessoa sempre esteve ali. E é mais ou menos o que acontece
com eles. Adoro a maneira como um influencia na vida do outro, como a
aproximação deles traz poesia para a
vida de Aristóteles (Dante gosta muito de ler poesia, e seu pai é professor de
inglês em uma universidade), e como eles compartilham um verão cheio de
novidades para ambos. E é como se todo o restante do mundo desaparecesse ao redor deles.
O fim do
verão, no entanto, traz algumas surpresas desagradáveis… primeiro, Ari descobre
que Dante vai se mudar por alguns meses a Chicago, por causa de uma proposta de
emprego que o pai recebera lá; depois, Dante quase é atropelado por um carro
por parar para cuidar de um passarinho no meio da rua, e Ari salva a sua vida. A simbologia aqui é
significativa, porque Aristóteles age totalmente por impulso, porque o medo de
perder Dante é maior do que qualquer outra coisa, maior do que o medo de ser
atropelado pelo carro, por exemplo, mas embora Ari acabe no hospital e, depois,
tendo que usar cadeira de rodas por algum tempo até se recuperar, sua ação salva a vida de Dante e eu acho que
é isso o que importa. Mas, por algum motivo, Ari parece quase se envergonhar disso – ele não quer que
falem sobre isso, não quer “ser o herói”.
Então, ele
estabelece regras… Ari e suas regras.
A partida de
Dante para Chicago, embora me deixe de coração apertado, é um ponto crucial para a narrativa de “Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos
do Universo”, porque enquanto Ari continua em El Paso, Dante se muda para uma cidade maior, e como Dante
sempre foi muito mais conectado com seus próprios sentimentos e mais destemido,
essa mudança lhe permite descobrir coisas
a seu respeito que ele compartilha com Ari por cartas que ele não tem
certeza se quer responder – talvez porque não saiba bem o que responder quando Dante lhe conta que descobriu que “prefere
beijar garotos”, por exemplo. Ari não sabe, ou finge não saber (e quando ele finge não saber, ele está fingindo para
si mesmo, e não para os outros), mas grande parte do que está sentindo é ciúme…
a sensação angustiante de que Dante está
vivendo tudo aquilo sem ele.
Quando Dante
retorna, meses depois no próximo verão, as coisas estão mudadas para ambos.
Aristóteles acolheu uma cachorrinha, Perninha, e ganhou uma picape antiga de
presente de aniversário; Dante, por sua vez, está muito seguro de si, de sua
sexualidade, e eu adoro esse “novo” Dante, embora existam coisas que ele ainda
guarda dentro de si, como os medos com os quais as pessoas LGBTQIA+ convivem
diariamente, ou o fato de que ele está
apaixonado pelo seu melhor amigo… eu amo tudo o que Ari e Dante
compartilham depois do retorno de Chicago, eu amo as sequências dos dois no
“lugar favorito de Ari”, no deserto, para ver as estrelas, eu amo as
“travessuras” que são os segredos deles, como quando eles fumam maconha e
correm pelados na chuva, eu amo a tensão
daquele momento em que eles se beijam pela primeira vez, para “testar”, e Ari
diz que “não funcionou para ele”.
Tudo é muito intenso na relação deles nesse
segundo verão.
Ler à transformação de Ari durante o livro é
uma das melhores partes de “Aristóteles e
Dante Descobrem os Segredos do Universo” para mim, e é interessante como
Ari é um narrador não-confiável, e
como percebemos isso aos poucos, quando vamos notando que ele tem pais incríveis… mesmo que o pai seja “inescrutável”, por
exemplo, ele é um personagem riquíssimo que brilha sempre que é trazido à tona,
e que tem momentos especiais com o filho – seu silêncio é fruto de suas
próprias cicatrizes, mas isso não quer dizer, de maneira alguma, que ele se
importe menos com Ari, que ele o ame menos, e continuamente o vemos provar isso
na segunda metade do livro. Também adoro a relação que Ari tem com os pais de Dante, tão diferentes dos
seus próprios pais, mas igualmente fantásticos, só à sua maneira… Ari e Dante
são garotos de sorte, certamente.
E isso faz
com que, aos poucos, Ari fique mais leve, mais falante, sinta menos medo.
É um caminho
próprio e importante que ele trilha lindamente.
Um dos
momentos mais fortes e mais dolorosos
do livro acontece quando Dante é visto beijando
um garoto e, então, ele é espancado por quatro garotos e mandado para o
hospital – foi profundamente angustiante
de se ler toda essa sequência. Primeiro porque, como um homem gay, a situação é
desconfortável e assustadora e, infelizmente, real; em segundo porque o autor
consegue imbuir as páginas de sentimento e verdade, e eu estava à beira das
lágrimas quando Ari vai à casa de Dante para buscar Perninha depois do funeral
da Tia Ophelia, e o pai de Dante conta o que aconteceu e por que aconteceu… todo o preconceito que levou à tragédia, toda a
dor de Sam, como pai, porque ele ama o seu filho e não quer que ele passe por
isso, e toda a raiva de Ari, frustrado e inconformado, que o leva a buscar
Julian, o líder do bando que bateu em Dante, e bater nele também…
Isso traz à
tona um medo antigo da família e um fantasma sobre o qual eles não falam:
Bernardo, o irmão mais velho de Aristóteles que está preso desde que Ari era
pequeno. Sinceramente, achei difícil, revoltante e continuamente desconfortável ler a toda essa parte,
conforme descobrimos que Bernardo foi preso porque ele espancou uma travesti até a morte – movido também pelo
preconceito, Bernardo é o Julian da história de alguém e, nesse caso, a pessoa não sobreviveu, diferente de Dante. É
assustador, é sombrio, é criminoso, é nojento. E eu não sei bem o que pensar em
relação a como isso é tratado, mas é mais a ideia de que Ari queria e tinha o direito de saber o que acontecera com o irmão e
porque fora preso. Há algumas críticas ao autor pela escrita dessa
passagem, mas, infelizmente, me pareceu muito real com como o assunto seria tratado em 1987, época em que se
passa a história.
Tudo culmina
para uma evolução de todos os
personagens… depois de Dante ser espancado e de Aristóteles buscar Julian para
bater nele, os pais resolvem se abrir não só sobre a história de Bernardo, mas
também sobre eles mesmos, e é um momento muito
bonito quando vemos todos se sentarem ao redor da mesa, com um vinho ou uma
cerveja na mão, para conversar – o pai finalmente
deixa sair alguns dos fantasmas que carrega consigo desde a Guerra do Vietnã, e
diz que talvez isso faça com que os pesadelos parem, enfim… acho que “Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos
do Universo” trata dessa relação familiar com muita perfeição, porque a
família perfeita não é a família que
não tem problemas, porque todo mundo tem
problemas… a família perfeita é a família que sabe lidar com eles. Todo o
amor e a união da família de Ari fazem com que ela seja perfeita.
E isso é
lindíssimo!
Tanto que
são os pais que ajudam Ari em um ponto crucial… toda a premissa de “Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos
do Universo”, como mostra a sinopse, é construída em cima da ideia de que
Ari e Dante são muito diferentes um do
outro. Dante sabe nadar, sabe usar bem as palavras, enquanto Ari é mais
contido e fala pouco, por exemplo… a própria relação deles, que é uma amizade
mais forte que tudo, é baseada nessa dicotomia interessante: de um lado, temos
Dante, e Dante é alguém que conhece a si próprio, que não se esconde, que “não
foge”, que não tem medo de amar e de mostrar que ama; Aristóteles, por sua vez,
ama de volta, mas sem permitir que ninguém perceba, sem permitir que ele mesmo
assuma o que está sentindo, mas ele ama Dante… na verdade, ele está apaixonado por Dante desde o primeiro dia que o
viu, na piscina.
Fiquei muito
emocionado com a conversa dos pais com Ari sobre isso. Eles dizem que Dante
está apaixonado por ele e não tem medo de mostrar; o problema é que Ari também está apaixonado, mas está fugindo
disso. A maneira sábia como o pai diz a Ari que “ele precisa parar de fugir do
que está sentindo, ou então isso vai acabar com ele” é reconfortante e me
coloca um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos… então, Ari percebe que o pai
tem razão, e de quebra ali algumas barreiras são derrubadas, porque ele sabe
que a família o ama e o apoia, e não tem nenhum
sentido ele continuar mentindo para si mesmo e para os outros. Como ele
pôde sentir vergonha de amar Dante
Quintana se tudo o que ele quer e sempre quis é passar a vida toda ao seu lado? Ele sabe, então, que ele precisa
fazer algo… que ele precisa dizer a
Dante, com todas as palavras, o que sente.
E, assim,
ganhamos uma das cenas mais lindas do livro, mesmo que seja apenas em seu
último capítulo, quando Aristóteles leva Dante até o seu lugar favorito no
deserto para que eles possam conversar… é uma cena intensa, e eu adoro como o
Dante parece irritado, o que não
combina com ele, e como ele é sincero com Ari e diz que “essa história de
amizade” não está funcionando, que o machuca estar perto dele, e parece cruel
que Ari traga à tona o beijo deles, de quando ele retornou de Chicago, do ponto
de vista de Dante: lembrar aquele momento
o faz sofrer ainda mais, porque Ari dissera que “não funcionou com ele”.
Agora, no entanto, Ari não está sendo cruel – ele só quer lhe dizer que mentira
quando disse que “não funcionava”. Porque
funcionou, sempre funcionou… e eu posso imaginar o sorriso lindo no rosto
de Dante entendendo o que ele quer dizer.
E, então,
eles se beijam novamente.
Sinceramente?
Eu amo esses dois. Aristóteles e Dante me
conquistaram totalmente.
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