Nimona (2023)
“Crianças.
Criancinhas… elas crescem acreditando que vão ser heróis se enfiarem uma espada
no coração de qualquer um que seja diferente. E eu sou o monstro?”
Baseado na
HQ de ND Stevenson, com direção de Nick Bruno e Troy Quane e lançado no último
mês de junho, “Nimona” é uma animação
divertida, inteligente e emocionante que fala sobre fluidez de identidade,
manutenção do status quo, controle,
poder e preconceito em uma sociedade que é tanto medieval quanto futurística e
na qual as pessoas foram ensinadas a
não gostar de nada que seja “diferente” – o que não é muito diferente da nossa própria realidade. Atualmente com
uma aprovação de 94% da crítica especializada e 92% do público no Rotten
Tomatoes, “Nimona” é marcante e
brinca com o que é clássico e o que é inovador, tecendo uma trama envolvente e
tocante que termina por colocar um sorriso no nosso rosto e lágrimas nos nossos
olhos.
O filme
começa nos apresentando a Ballister Boldheart, um antigo garoto de rua que está
prestes a se tornar um Cavaleiro do Reino, com a Rainha Valerin disposta a
mudar tradições ultrapassadas que pregavam que apenas pessoas de sangue real podiam se tornar
Cavaleiros – ela que mostrar a todos que qualquer
um pode ser um herói, desde que seja digno. Infelizmente, no entanto, nem
todo mundo concorda com essa decisão da Rainha e tudo sai de controle, eventualmente,
quando a Rainha é morta durante a celebração pela espada de Ballister, e ele é incriminado
pelo assassinato, em uma clara armação para “manter as coisas como estão”.
Ballister foge, odiado pelo Reino todo, transformado em um supervilão, como acontece com a Elphaba em “Wicked”.
Adorei o
estilo de animação de “Nimona”, mesmo
que ele fuja um pouco do que estamos habituados a ver… ou talvez justamente por isso. É interessante
como, desde “Homem-Aranha no Aranhaverso”,
novos estilos de animação estão sendo testados e chegando ao público,
valorizando o lado lúdico dessa forma de contar histórias. E, por falar nisso,
eu realmente adoro toda a ideia meio anacrônica
sob a qual o Reino foi concebido. É uma mistura interessante e fascinante do medieval, através do
Reino, os Cavaleiros, as espadas, com o que é atual, como os celulares, as
transmissões, as câmeras e o metrô, com o que é futurístico ainda, como os
carros voadores… tudo isso gera um cenário tão singular e tão aparentemente aconchegante que eu adorei conhecer.
Mas, ainda
assim, o Reino padece de problemas que conhecemos bem… e Nimona é uma
personagem fascinante para trazer toda uma discussão pertinente ao lado de
Ballister. A garota, que acredita que Ballister é um grande vilão (porque todos
no Reino o tratam dessa forma), está disposta a se tornar sua “comparsa”,
porque ela entende bem o que é ser excluída, o que é ser julgada por ser
diferente, e o que é ser tratada como um “monstro” apenas porque você não atende às expectativas do que as outras pessoas
consideram “normal”. E o próprio Ballister reage quando vê Nimona se
transformar em animais pela primeira vez, e pede que ela “continue na forma de
garota”, mas ele não diz isso dessa maneira… ele pergunta se ela “não pode ser normal”.
Uma fala
equivocada, mas de alguém com um bom coração e que está aprendendo.
A relação de
Ballister e Nimona é a alma e o fio condutor do filme, porque Ballister é o avatar
de toda uma sociedade que julgou Nimona apenas pela sua aparência, apenas pela
sua diferença, e nunca a aceitou como ela é… a partir do momento em que
Ballister conhece Nimona de verdade e eles se aproximam, ele percebe que ela é
muito mais do que ele imaginou, e nem de longe é um “monstro”, como ele pensara
inicialmente. Ironicamente, Ballister está passando por algo muito parecido com o que Nimona
enfrentou durante toda a sua longa vida, porque ele também está sendo julgado
por uma aparência, e ele quer provar a todos que não é o vilão que todos
acreditam que ele seja… assim, Ballister e Nimona acabam se tornando uma dupla
improvável e incrível!
Outro
alicerce do filme, é claro, é a relação de Ballister e Ambrosius – e eu
confesso que esse foi um dos principais motivos pelos quais eu decidi assistir ao filme. Sempre falo
sobre o quanto é importante a representatividade LGBTQIA+ na mídia, e ter dois
protagonistas homens que se amam, que namoram e que não têm vergonha de
demonstrar o seu afeto na frente de todo mundo? Isso é algo que me emociona e
me alegra profundamente, e é algo que eu tive muito pouco durante a minha
infância e a minha adolescência… por isso, eu sempre fico muito feliz quando eu vejo essa representatividade, porque eu
sei que, mesmo com um caminho longo que ainda temos que percorrer, já estamos muito à frente do que estávamos há 15 ou
há 20 anos, por exemplo.
Abro um
sorriso sincero nas primeiras cenas do filme e nas primeiras interações de
Ballister e Ambrosius, especialmente quando Ambrosius tenta acalmar Ballister
antes da cerimônia, colocando a sua mão sobre a dele e dizendo que todos vão
amá-lo, como ele o ama…
dolorosamente, no entanto, os dois são separados pelas circunstâncias da morte
da rainha, e é incrivelmente triste ver o quanto Ballister deseja que Ambrosius
acredite nele, porque se ele o conhece e o ama de verdade, ele vai saber que ele não mataria a Rainha, enquanto
Ambrosius é colocado em uma situação complicada, também, porque todo o Reino de
voltou contra Ballister, e ele, agora, é o Cavaleiro responsável por sua
captura… mas como ele pode trair o homem que ama?
O filme
equilibra muito bem a diversão e a emoção. Eu dei boas gargalhadas durante o
filme, e acredito que Nimona é dona de um carisma incrível, com o seu jeitinho
peculiar de quem quer “quebrar coisas”, o que rendeu cenas verdadeiramente
divertidas. Mas o filme também tem uma carga dramática potente que, quando
trazida à tona, se torna grandiosa… quando Nimona salva a vida de uma garotinha
e tenta se aproximar dela, mas o olhar da garota mistura medo e ódio de uma
maneira apavorante, e Nimona tem aquela fala dolorosa sobre como “não sabe o
que é mais assustador: o fato de ela saber que todo o reino quer enfiar uma
espada no seu coração ou o fato de que às vezes ela quer que eles façam isso
mesmo”. Naquele momento, só queríamos
abraçar Nimona e garantir que tudo ia ficar bem.
Essa é a
premissa sobre a qual se constrói todo o clímax do filme… “Nimona” é um filme rápido e intenso, que envolve tramas, mentiras,
romance, reviravoltas, política, traições e a quebra de estereótipos e
pré-julgamentos, porque Nimona e Ballister passam o filme todo sendo vistos
como “monstro” e “vilão”, mas terminam como heróis. Quando, consumida pela dor,
Nimona parece ter perdido o controle,
Ballister é a única pessoa que consegue “detê-la”, em uma cena emocionante na
qual ele pede desculpas, diz que a vê e que
ela não está sozinha – e então eles compartilham um abraço longo e preciso
que finalmente mostra que, sim, tudo vai ficar bem… e Nimona escolhe se
sacrificar (ou quase) para salvar o Reino enquanto a verdadeira vilã está disposta a destruir tudo para matá-la no
processo.
Daquele momento em diante, Nimona é uma
heroína, admirada e amada por todo o Reino.
Quanto a Ballister e Ambrosius? Eu
acho que eles “vivem felizes para sempre”. Eles tiveram seus altos e baixos, e
gostaríamos que Ambrosius não tivesse duvidado
de Ballister, mas o amor que eles sentem um pelo outro é sincero e bonito, e
Ambrosius nunca o deixou de lado de verdade… dava para ver no seu olhar. Por
isso, é muito bonito ver o abraço emocionado e cheio de dor dos dois ao fim do
clímax, depois da aparente morte de Nimona, com Ambrosius estando ali para
amparar o Ballister em um momento difícil; e também é bonito vê-los no
“epílogo” do filme, quando Ambrosius pula sobre ele para um abraço carinhoso,
os dois trocam um rápido beijo apaixonado e depois eles saem caminhando pelas
ruas de mãos dadas… é tão bom ver um
casal queer podendo ter essas demonstrações de afeto.
Deixou meu
dia mais feliz!
Ballister e
Ambrosius FOFÍSSIMOS!
Agora, o
Reino está prosperando… finalmente. E talvez eles tenham vencido o preconceito,
ou dado o primeiro passo nessa direção… ao menos Nimona não é mais vista como
um “monstro”, mas como uma heroína com um memorial em sua homenagem e desenhos
das crianças dizendo que a amam. Todo o passado sangrento e opressor do Reino,
que vem desde Gloreth, a primeira amiga que Nimona teve e que também se voltou
contra ela eventualmente, talvez esteja realmente ficando lá: no passado. As muralhas estão abertas, o povo do Reino
vai poder conhecer o lado de fora, e tudo isso é muito simbólico, porque eles
não estão mais “presos” nas mesmas concepções de sempre. Além disso,
podemos ouvir a voz de Nimona chamando Ballister de “chefe” mais uma vez, tipo
a Boo dizendo “Gatinho!” no fim de “Monstros S.A.”.
E, então,
podemos terminar o filme tranquilos. Está
tudo bem.
Um filmaço!
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