Hoje é dia de Maria, Primeira Jornada – Episódio 8: Onde o Fim Nunca Termina

“O que importa não é chegar, é caminhar”

UMA VERDADEIRA OBRA DE ARTE. Eu sempre AMEI “Hoje é dia de Maria”, e é uma oportunidade imensa poder assistir novamente à minissérie e perceber o quanto ela segue maravilhosa, explorando a cultura brasileira de uma maneira teatral, poética e marcante. Flertando constantemente com a musicalidade das cantigas tradicionais brasileiras e escolhendo uma estética artística e lúdica, “Hoje é dia de Maria” nos emocionou e nos divertiu episódio a episódio, em uma construção belíssima marcada para sempre na teledramaturgia brasileira. E com “Onde o Fim Nunca Termina”, a primeira jornada de Maria chega ao fim sendo uma ode a si mesma, substituindo a melancolia pela força da esperança, proporcionando um recomeço emocionante.

Maria está de volta à infância. Depois de Asmodeu ter cantado vitória, mas Maria ter conseguido salvar a vida de seu Amado, a próxima jogada do demônio foi devolver-lhe o que tinha sido roubado, para poder afastar os dois, e Maria volta a ser a garota que conhecemos no início de “Hoje é dia de Maria”. Dessa vez, no entanto, ela tem memórias confusas de coisas que ainda não aconteceram (lembra-se de ter sido mulher e de ter descoberto o amor), e não tem muita certeza de que caminho precisa trilhar… talvez ela ainda queira chegar às franjas do mar, como queria quando saiu de casa depois de todo o sofrimento imposto pela bebedeira do pai e os maus-tratos da madrasta, mas parece que ela caminha há tanto tempo sem saber qual rumo seguir.

Então, ela simplesmente caminha…

E, em seu caminho, ela reencontra personagens que fizeram parte de sua jornada – e são reencontros repletos de emoção e nostalgia que começam a indicar a Maria que, não importa o que ela faça, o seu caminho a está levando de volta para onde tudo começou… mas talvez as coisas não estejam exatamente como ela as deixara. Revisitar paisagens e personagens conhecidos dão a esse último episódio de “Hoje é dia de Maria” uma sensação aconchegante, mas sem que seja uma repetição do que já conhecíamos, porque Maria reconhece as mudanças que aconteceram para todos aqueles que ela encontrou em seu caminho e que talvez tenha ajudado de alguma maneira… todas as histórias tristes que ela deixara podem estar tendo um final feliz.

Como era de se esperar, o reencontro mais emocionante nessa reta final da primeira jornada de Maria é com o Zé Cangaia, que agora está anunciando um parque de diversões na cidade, e eles “apostam corrida” em um carrossel, em uma cena emotiva e bonita na qual Maria se pergunta a respeito do sentido da vida, do amor e da felicidade… coisas que, como o Zé Cangaia, nós sabemos perguntar, mas não sabemos responder. Eventualmente, no entanto, Maria anuncia que precisa ir embora, porque não sabe bem para onde está indo, se rumo às franjas do mar ou de volta para casa, mas sabe que precisa continuar caminhando, e os dois se despedem novamente. Dessa vez, quando Zé Cangaia pergunta se a sina deles é se despedir, Maria responde que não…

…a sina deles é se encontrar.

No caminho de volta para casa, Maria também reencontra as crianças carvoeiras, que conseguiram escapar de Asmodeu e estão correndo livres e felizes pelos caminhos daquele sertão; reencontra o homem que ajudara na beira de um riacho e que desaparece como da primeira vez, mas deixando para trás um pouco de água; reencontra o grupo que caminhava sem rumo e sem esperança, mas a quem a vida dá um presente quando Maria lhes presenteia com a água que ganhara; reencontra a noite, que ajudara a trazer de volta para a terra em que o sol nunca se punha; reencontra Nossa Senhora da Conceição, sempre com palavras sábias e acalentadoras; só não reencontra o pássaro que seguia cada passo seu, quase como um anjo da guarda.

E é aí que ela começa a perceber que as coisas não são mais como costumavam ser. Cada vez mais triste com a possibilidade de chegar de volta no sítio e encontrar o pai bêbado e a madrasta a esperando com uma trouxa enorme de roupa suja para lavar, Maria segue caminhando aceitando que sua sina é retornar para casa, e se depara com a Madrasta e Joaninha lavando roupa no próprio sítio, onde o marido ainda não morreu… mas ela se lembrava de ele ter morrido antes mesmo de a sua própria mãe morrer, e se ele ainda está vivo, talvez ela também esteja? A esperança nasce no coração de Maria, mas, ao mesmo tempo, ela não quer ficar esperando por algo que ela não tem certeza de que vai acontecer. A expectativa pode machucá-la.

Quando Maria chega no sítio, no entanto, as coisas estão diferentes de como ela se lembrava, diferente de como ela deixou. Sim, a mãe ainda está viva, está ali, como estivera antes de sua morte; o pai está trabalhando ao lado dos irmãos, que ainda não foram embora; um ciganinho vem para ajudar nos trabalhos do sítio, que ainda prospera. Parece uma vida tão feliz que as emoções de Maria se convertem em lágrimas quando ela é acolhida pelo abraço amoroso de sua mãe, de quem sentiu tanta falta, e conta tudo o que lhe tinha acontecido, com dor e pesar… e a mãe, o pai e os irmãos são bem compreensíveis, acolhendo-a, acalmando-a sem menosprezar sua dor, porque para ela é muito real, e o que acontece na nossa imaginação também pode ser verdade.

E era. O erro foi de Asmodeu. Na pressa de separar Maria de seu Amado, ele devolveu-lhe a infância na época em que a mãe ainda estava viva, mas agora ele quer se vingar – quer fazer de novo tudo o que fizera da primeira vez. Ele vai começar transformando o ciganinho em um pássaro de lata (!), depois jogará uma praga sobre as terras da família, para que o sítio deixe de produzir, a mãe morra castigada pelo sol, os irmãos vão embora em busca de outras oportunidades, o pai fique sozinho, triste e bêbado… todo o sofrimento de Maria está prestes a recomeçar, com Asmodeu em todas as suas formas a cercando, mas, dessa vez, ela tem um espelhinho que ganhou de presente de uma das pessoas que encontrara e ajudara durante a sua jornada.

E, por isso, ela tem como se proteger.

É um final lindíssimo e emocionante para “Hoje é dia de Maria”, porque Maria voltou para uma vida muito melhor do que aquela que havia deixado para trás, e ela poderá vivê-la em sua plenitude dessa vez, sem Asmodeu para perturbá-la, porque ele é mandado de volta para o inferno graças ao presente de Maria… ela tem de volta o sítio, a mãe, a família reunida e feliz, e até mesmo o ciganinho, que virá a ser o seu Amado, com quem ela pode crescer e descobrir o amor em seu tempo certo dessa vez. Tem até as franjas do mar, que estão muito mais perto do que ela jamais esperou, e é lindo demais ver os dois de mãos dadas, olhando para o mar, na única cena da minissérie filmada ao ar livre. Há muita beleza e poesia nesse último episódio de “Hoje é dia de Maria”.

Um marco da televisão, certamente.

 

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