Hoje é dia de Maria, Segunda Jornada – Episódio 1: Terra dos Sonhos
“Coragem. É só dar o primeiro passo”
QUE
ESPETÁCULO! Como é bom estar de volta a “Hoje
é dia de Maria”, uma das produções mais lindas da teledramaturgia
brasileira. Lançada em outubro de 2005, a Segunda Jornada de Maria mantém a
beleza e o tom poético da primeira minissérie, mas arrisca-se ainda mais em sua
linguagem teatral, entregando uma produção visual e musicalmente impactante,
enquanto a narrativa segue acolhendo a brasilidade e a poesia, agora abraçando
também um toque de crítica social aguçada. A segunda jornada de “Hoje é dia de Maria” é MARCANTE e bela,
assim como a primeira. Dessa vez, no entanto, Maria não está fugindo de casa
como aconteceu na primeira vez… dessa vez, ela está contemplando as franjas do mar quando é arrebatada
pelas ondas.
Toda a
sequência de abertura de “Terra dos
Sonhos” é, para mim, um dos melhores momentos dos 13 capítulos que compõem
as duas jornadas da minissérie. A maneira como Maria está sozinha, de frente
para o mar, de braços abertos, enquanto os personagens que ainda conheceremos
durante essa nova jornada estão presos a um barco, cantando para ela e a
convidando para viajar através de águas e mundos desconhecidos… a sonoridade
teatral da canção e a beleza daqueles figurinos são arrebatadores, e assisti
novamente agora com um sorriso no rosto e os olhos brilhando, porque eu sou completamente apaixonado por isso
tudo. Então, Maria é levada sem querer pelas ondas do mar, e jogada do
outro lado, em uma praia desconhecida.
Adoro,
particularmente, a coragem da segunda
jornada de “Hoje é dia de Maria”, que
não quer “fazer mais do mesmo” – e a verdade é que ela não teria 1/3 do seu
impacto se o tentasse. Essa jornada é, como deveria ser, completamente nova, e não apenas em termos de narrativa, mas em
conceitos. Dessa vez, a história de Maria é contada primordialmente através da música, o que parece quase embalar os acontecimentos como um sonho
de Maria ou o pesadelo de um gigante, e temos performances grandiosas como a
primeira do capítulo, ou aquela de quando Maria está chegando à cidade grande e
os personagens estão dançando como marionetes – facilmente algo que veríamos no
teatro e que, ao final da performance, estaríamos aplaudindo avidamente.
Junto à nova
roupagem da narrativa, que investe na música de maneira mais intensa que a
primeira jornada, também exploramos novos cenários quando Maria deixa o sertão
e é carregada para a cidade grande.
Também acho estranhamente fascinante (e é algo muito comum no teatro, mais
muito menos na televisão) o fato de a maioria dos atores da primeira jornada
retornarem na segunda, mas não para reprisarem seus papéis… assim, vemos Osmar
Prado, que fora o Pai de Maria, interpretar, agora, o Dr. Copélius, ou Inês
Peixoto, que fora a saltimbanco Rosa, interpretar a Dona Boneca; também
veremos, nos próximos capítulos, Letícia Sabatella assumir o papel de Alonsa,
enquanto Rodrigo Santoro assume o papel de Dom Chico Chicote.
Essa é a
junção perfeita do conhecido com o novo.
Do que é familiar com o que é inovador.
Quando chega
à praia desconhecida à qual foi levada, Maria se depara com uma lavadeira – que
é, na verdade, Nossa Senhora Aparecida –, que a instiga a ter coragem para dar
o primeiro passo, porque apenas o primeiro passo será dado sozinha… em breve
ela terá companhia. E, assim, Maria começa sua segunda jornada talvez ainda mais perdida do que estava na
primeira, porque ela não tem mesmo um rumo: ela está andando sem direção, sem
saber onde está, tampouco onde vai chegar… mas começa a encontrar seus
primeiros companheiros de viagem, como o Pato e a Dona Cabeça, que é
interpretada por Fernanda Montenegro e, portanto, muito difícil de separar da
Madrasta da primeira jornada… mas a Dona Cabeça é mais risonha e, de algum
modo, ainda mais macabra.
O Pato e a
Dona Cabeça, no entanto, não acompanham Maria por muito tempo, porque eles têm
medo de se aproximar demais do gigante adormecido que Maria insiste em tentar
acordar, por algum motivo… eventualmente, a garota é devorada pelo gigante e
vai parar em uma espécie de lixão, onde ela reencontra a Menina Carvoeira de
sua primeira jornada – e é sempre maravilhoso ver Laura Lobo em cena, ainda
mais quando lhe dão “Além do Arco-Íris”
para cantar, o que é de arrepiar! É a Menina Carvoeira quem presenteia Maria
com um binóculo misterioso que pode ajudá-la a encontrar um caminho a seguir, e
é através dele que Maria se vê em uma cidade grande, o momento exato no qual “Hoje é dia de Maria” faz a sua
transição oficial para os novos estilos de visual.
E como é grandioso, teatral e belo.
Mas, ao
mesmo tempo, sombrio e possivelmente melancólico.
Sabemos que
Maria não encontrará apenas alegrias em sua jornada… e que a cidade é o lugar
perfeito para ela descobrir injustiças, como a música de uma das versões de
Asmodeu sugere, ao falar sobre como aquele lugar é, ao mesmo tempo, o paraíso e
o inferno – dependendo de quem você é, de quanto dinheiro tem… naquele primeiro
dia, ainda atordoada pela quantidade de luzes, de cores, de pessoas e de
barulhos que habitam aquela cidade desconhecida, Maria dorme na rua, depois de
tomar chuva, morrendo de frio, e pede desculpas ao pai, mesmo sabendo que ele
não a ouvirá: “Eu não queria vim parar
tão longe, Pai. Não foi culpa minha, num foi. Num queria fugir de casa, Pai. O
mar me arrastou, um gigante me engoliu. O senhor me desculpa, Pai?”
Na manhã
seguinte, ela é atraída para uma armadilha de Cartola – que ela até julga
reconhecer, mas não consegue realmente perceber que se trata de Asmodeu
disfarçado, novamente em sua cola. Maria termina em um teatro, onde
mulheres/marionetes dançam para impressionar os homens da cidade, limpando
espelhos e o chão, enquanto descobre um pouco sobre a crueldade do mundo e como
pessoas são descartadas como lixo
quando “não têm mais serventia”, como acontece com a pobre Dona Boneca, quando
“enferruja” durante uma apresentação e é impiedosamente descartada por Cartola,
em uma sequência humilhante e devastadora que assombra o coraçãozinho de Maria…
felizmente, Dona Boneca é resgata pelo Dr. Copélius, que a ajuda e a
“conserta”.
Enquanto
isso, Cartola coloca Maria para
substituí-la no palco!
Sinto que,
em parte, “Terra dos Sonhos” é
justamente sobre essa descartabilidade da vida humana, um tema que é trazido
pela primeira vez no episódio pela Menina Carvoeira, que descreve o lugar onde
ela e Maria estão, depois de a garota ter sido engolida pelo gigante, como um lugar onde vão parar as coisas que a
cidade não quer mais… até mesmo as pessoas. Assim como a Menina Carvoeira é descartada como lixo pela sua “falta de
serventia”, Maria vê isso acontecer de maneira brutal com a Dona Boneca, depois
de uma vida dedicada a apresentações, que de nada servem a partir do momento em
que ela não pode continuar gerando lucro. Poderia
ser o pesadelo de um gigante, mas, infelizmente, é apenas a realidade do mundo
cruel em que vivemos.
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