Come From Away: The Musical
“Welcome to
the rock!”
BELÍSSIMO,
INTENSO e EMOCIONANTE! Com música, letras e livro de Irene Sankoff e David
Hein, “Come From Away” traz um
recorte interessante, com histórias reais, do ataque ao World Trade Center em
11 de setembro de 2001 e os dias que se seguiram ao ataque terrorista, a partir
do ponto de vista de uma cidadezinha de aproximadamente 9 mil habitantes no
Canadá, Gander, que, com um aeroporto grande demais, mas que só recebia uma
meia dúzia de aviões por dia, recebeu 38 voos que foram desviados no dia 11/09,
e a cidade teve que lidar com algo próximo a 7 mil passageiros de uma hora para
outra pelos dias seguintes… Gander se torna um lugar de encontros, de buscas,
de dúvida, de preocupação, de acolhimento, de angústia, de esperança. Um pouco de tudo.
O musical
fez seus primeiros workshops em 2012,
pouco depois do aniversário de 10 anos do ataque às Torres Gêmeas, no Canadá, e
foi chamando atenção. Com a primeira
produção oficial pela Sheridan College em 2013, no Canadá, “Come From Away” chegou à Broadway em 2017, onde ficou em cartas
até 2022, por mais de 1.000 apresentações. O musical teve uma gravação oficial
de sua versão de palco lançada em 10 de setembro de 2021, um dia antes do
aniversário de 20 anos do ataque ao World Trade Center, na Apple TV+, e é um
prazer ter acesso a essa produção. Com personagens, visuais, músicas e
coreografias marcantes, “Come From Away”
nos atinge em cheio e se tornou um dos meus musicais favoritos, por toda a
força e a humanidade que ele carrega.
É
impressionante como se pode lançar o olhar sobre um evento que foi tão
traumático para tantas pessoas e, ainda assim, valorizar a humanidade de pessoas como os moradores de Gander, que se dispuseram
a ajudar, e dar ao musical aquele ar de esperança. Não é um musical depressivo,
embora possa te arrancar lágrimas, e sabe ser ocasionalmente divertido,
conforme caminha pelas diferentes emoções e, principalmente, reações tanto de alguns dos 7 mil passageiros
que chegaram a Gander quanto dos 9 mil habitantes da cidade, e é uma
experiência fascinante e riquíssima, que tem, sim, seu tom inevitável de
melancolia, mas deixa uma sensação boa no coração no fim das contas. Terminei
ao musical, visto em casa, com uma sensação semelhante ao que eu sinto no
teatro: eu não queria levantar dali.
Queria poder
guardar aquele momento e aquela sensação comigo.
Por isso,
sentei e saboreei isso por alguns minutos.
Preciso me
deter um tempo e comentar brevemente sobre a música de abertura de “Come From Away”: “Welcome to the Rock” é um verdadeiro triunfo do teatro musical,
uma daquelas músicas que te levam para dentro daquele universo e para junto
daqueles personagens, como deve ser… ao fim dela, eu estava com os olhos brilhando
e esperando ansiosamente pelo que vinha a seguir. Mas não é só isso: “Welcome to the Rock” também é uma
espécie de convite, porque enquanto
os diferentes moradores da cidade de Gander começam a “relembrar” onde eles
estavam na manhã de 11 de setembro de 2001, em suas vidas cotidianas, nós
também somos convidados a pensar em onde estávamos quando ouvimos as notícias
do ataque pela primeira vez.
Lembro-me de
que os ataques ao World Trade Center foram recebidos com choque e horror, e não
se falava em outra coisa… aqui do Brasil, tão longe dos ataques, sentimos o
impacto através dos noticiários, e só podemos imaginar como foi para aquelas pessoas que estavam mais perto; aquelas pessoas que conheciam
aquele cenário pessoalmente; aquelas pessoas que não conseguiam entrar em
contato com as pessoas que amavam para se certificar de que elas estavam bem; e
“Come From Away” me levou a pensar
nas pessoas que estavam nesses aviões que foram desviados de Nova York, como os
38 aviões que pousaram em Gander em um dia, e como só pode ter sido angustiante esperar por horas dentro de
um avião pousado, sem informações reais do que tinha acontecido…
Do que estava acontecendo…
Depois de
pousarem e serem autorizados a desembarcar, os 7 mil passageiros foram levados
para Gander e lugares próximos, abrigados em escolas e eventualmente recebidos
nas casas das pessoas que quiseram oferecer um banho, comida, uma cama… e eles
passaram alguns dias em Gander até
que os aviões fossem autorizados a decolar novamente, e mudaram a história daquela
cidadezinha e daquelas pessoas para sempre; assim como eles foram mudados pela
vida naquela cidadezinha e pelas pessoas que os acolheram em um momento tão
desesperador. É essa a humanidade da qual “Come
From Away” fala, é esse o poder da esperança que o musical transmite. É uma
ficção biográfica, o que quer dizer que nem
tudo foi como vimos, mas os eventos são reais, alguns personagens também.
De fato
aquelas pessoas viveram aqueles dias.
O musical
explora muito bem diferentes reações e diferentes formas de lidar com tudo através de personagens
diversos. Conhecemos a primeira capitã estadunidense, que estava pilotando um
dos aviões que pousaram em Gander, e viu aquilo que ela mais amava ser usado
como uma bomba; conhecemos uma repórter local novata que precisou cobrir os
acontecimentos para a televisão; conhecemos um homem excessivamente preocupado
com a sua carteira ou com tiros, até perceber que as coisas em Gander são
diferentes que em sua cidade; conhecemos uma mulher cujo filho é bombeiro em
Nova York, e com quem ela ainda não conseguiu falar; conhecemos um casal gay
que se “desencontra” quando cada um reage de uma maneira; conhecemos um homem
de Londres e uma mulher do Texas que se apaixonam…
E conhecemos
um chef egípcio, que entregou algumas das cenas mais emocionantes e mais
tristes de “Come From Away”. No meio
da tragédia surge o brilho da humanidade, é verdade; mas também se escancara o
preconceito. Ali sofreu com olhares assustados, cochichos e dedos apontados o tempo todo, porque algumas pessoas
pareciam acreditar que ele podia ser um terrorista e estar planejando um
próximo ataque. A dor da cena em que, quando os aviões são finalmente
autorizados a decolar de volta para suas origens ou seus destinos, uma
comissária de bordo se recusa a entrar em um avião com Ali ou ele é submetido a
uma revista minuciosa que desonra a sua cultura e pela qual nenhum dos outros passageiros passou (!)
é quase indizível.
Musicalmente,
“Come From Away” tem uma identidade
clara, e é do tipo de Cast Recording que eu, particularmente, vou ouvir com
frequência. Adoro a animação de “Screech
In”, que é uma verdadeira celebração no bar de Gander, onde os forasteiros
são recebidos com bebida, música e risadas; adoro a beleza e a sensibilidade de
“Prayer”, em um dos momentos mais
emocionantes do musical; adoro o paradoxo de “Me and the Sky”, que traça a história de Beverley Bass dos 8 anos
de idade, quando ela disse que seria piloto, até aquele momento, em que
finalmente parece haver algo entre ela e o céu; adoro a melancolia de “Something’s Missing”, que registra como
ninguém foi o mesmo depois daqueles
eventos, e encaminha perfeitamente para o “Finale”,
com toques de “Welcome to the Rock”.
Que musical
lindíssimo!
O elenco da
versão de “Come From Away” disponível
na Apple TV+ conta com Petrina Bromley, Jenn Colella, De’Lon Grant, Joel Hatch,
Tony LePage, Caesar Samayoa, Q. Smith, Astrid Van Wieren, Emily Walton, Jim
Walton, Sharon Wheatley e Paul Whitty, vários deles também tendo estado
presentes no Elenco Original da Broadway, e retornando aos seus papeis para a
primeira apresentação da Broadway frente a uma plateia em 2021, depois do
fechamento dos teatros por causa da pandemia de Covid-19. É impressionante como
“Come From Away” é, oficialmente, uma
história que se passa em uma cidade do Canadá, lidando com forasteiros de uma
tragédia que aconteceu nos Estados Unidos, e ainda assim trata de temas tão
universais e conversa tão intimamente com seus diferentes espectadores, e nos
toca profundamente.
Um
verdadeiro espetáculo. Me sinto arrebatado!
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