Jogos Vorazes – Em Chamas (The Hunger Games – Catching Fire, 2013)
“There’s
always a flaw in the system”
Sempre que
posso, eu comento que “Jogos Vorazes”,
escrita por Suzanne Collins, é uma das minhas sagas literárias favoritas… e os
filmes, lançados entre 2012 e 2015, são exemplos de adaptações
cinematográficas. “Jogos Vorazes” é
uma distopia com toques de ação e ficção científica, mas se destaca mesmo por
sua crítica social ferrenha, com a Capital sendo uma representação clara
daquela parcela diminuta da população que detém todas as riquezas e fazem de
tudo para perpetuar a supremacia e a inviolabilidade do sistema que os favorece,
enquanto os Distritos representam as classes mais baixas que são constantemente
exploradas e oprimidas, através de mecanismos como os próprios Jogos Vorazes.
Mas a verdade é que todo sistema tem uma falha…
E Katniss pode ter escancarado essa falha.
“Em Chamas” é a minha história favorita
na trilogia de Suzanne Collins, tanto pela sua agilidade quanto pela maneira
como transita por diferentes “momentos” e como traz surpresas e pequenas
vitórias inesperadas em meio a muitas perdas… mas eu amo como toda a trama de “Jogos Vorazes” é mesmo UMA história
dividida em três partes (quatro, nos filmes), o que quer dizer que “Em Chamas” em nenhum momento parece uma
sequência encomendada porque o primeiro livro/filme fez sucesso: é a
continuação da história que de fato não estava encerrada. “Jogos Vorazes” apresentou o universo de Panem, os Distritos e a
Capital, além dos Jogos Vorazes, e Katniss Everdeen deu às pessoas algo que é
muito mais poderoso do que o medo: a
esperança.
A faísca
proporciona por Katniss ao desafiar a
Capital e conseguir manter tanto ela quanto o Peeta vivos ao fim do 74º Jogos
Vorazes literalmente está em chamas agora
– e se espalhando por toda Panem. Uma análise sociológica de qualquer filme de “Jogos Vorazes” é inevitável, porque
eles foram concebidos como tal, é inerente ao seu roteiro. Toda a primeira
parte de “Em Chamas” é uma extensão
do que vimos no fim do primeiro filme: o Presidente Snow sabe o impacto que as
atitudes de Katniss causaram, e sabe que ela se tornou o símbolo de uma
revolução que está nascendo… quer ela tenha planejado isso ou não (e ela não
planejou). Agora, ele quer calá-la antes que as pessoas nos Distritos passem a
acreditar que também podem desafiar a
Capital.
Mas talvez
já seja tarde demais para calá-la.
A esperança já se espalhou.
Isso é o que
é genial nessa história, a meu ver: Katniss realmente não planejou nada
daquilo, e curiosamente ela não é de fato “essencial” a não ser como um símbolo
de agora em diante. Ela deu força e voz a pessoas que estavam caladas por medo…
quando Katniss e Peeta começam a sua “Turnê da Vitória” por todos os Distritos,
Katniss vê coisas que não esperava, a começar pelo Distrito 11, no qual ela
fala sinceramente sobre Rue e uma revolução silenciosa se espalha através de um
gesto, e quando os Pacificadores desesperados para calar aquelas pessoas
atacam, sinto que eles dão ainda mais
força aos que sobrevivem. E por toda Panem isso está acontecendo, não
apenas no Distrito 11 e 12, e quanto mais Katniss interpreta um papel para
“distrair” o povo, mais a revolução se incendeia.
O desespero
do Presidente Snow para se livrar de Katniss, mas de uma maneira que não a
transforme em uma mártir (!), faz com que ele anuncie uma “novidade” para a
próxima edição dos Jogos Vorazes, aproveitando que se trata de um Massacre
Quaternário (que acontece a cada 25 anos): ele
anuncia que os Tributos de cada Distrito serão escolhidos a partir do hall de
VENCEDORES de cada Distrito, em uma tentativa de mostrar que “nem os mais
fortes podem contra a Capital” ou qualquer coisa assim. Eu lembro do choque
e da revolta que isso me causou quando eu li o livro pela primeira vez, há
tanto tempo! Curiosamente, embora o conceito da ideia de Snow atenda aos seus
desejos, eu sinto que foi um grande tiro
no pé… ele acabou enfurecendo outros Vencedores.
E, então,
assinou sua sentença de morte.
Todo o
segundo ato do filme é dedicado às reações à “ideia” do Massacre Quaternário, e
aqui temos algumas das melhores cenas de “Em
Chamas”. Não só porque eu amo o Finnick Odair ou porque as cenas da Johanna
no elevador ou na entrevista são fenomenais,
mas porque estamos realmente vendo algo
nascer ali. O Massacre Quaternário não é um Jogos Vorazes comum, e o filme
consegue transmitir isso de maneira inteligente até na sua escolha de como mostrar as coisas, agora de um ponto
de vista diferente… já vimos o desfile das carruagens no primeiro filme, por
exemplo, e a perspectiva aqui é
outra, mesmo que seja uma cena parecidíssima porque o evento é o “mesmo”, e
isso é um detalhe incrível que demonstra a grandiosidade
dessa adaptação.
Amo toda a
sequência das entrevistas no dia anterior ao início do Massacre, e por todos os
detalhes que estão ali. É GENIAL ver outros Tributos tão revoltados com a
situação quanto o Peeta e a Katniss, porque é um aceno ao que virá a seguir…
Katniss tem um momento incrível, idealizado por Cinna, no qual seu vestido de
noiva se transforma em um tordo (que mensagem aos Distritos, huh?), e Peeta
arrasa revelando uma suposta gravidez de Katniss para chocar a Capital e quem
sabe dar força a um movimento de impedimento do Massacre, e ele quase consegue,
porque a própria Capital fica em choque com a perspectiva de uma mulher grávida nos Jogos, e os
Tributos dão as mãos no palco, em união, antes de os Idealizadores mandarem
desligar tudo.
É claro que
a Capital não aceitaria sua fraqueza e, portanto, não cancelaria o Massacre.
Mas que Peeta fez história, ele fez. Essa
cena sempre me faz sorrir.
(Eu amo o
Peeta!)
Para
falarmos sobre o Massacre Quaternário, existem duas perspectivas a serem
levadas em conta, e a primeira delas é a técnica. Visualmente, a arena de “Em Chamas” é muito mais impactante,
elaborada e mortal do que a arena de “Jogos
Vorazes”. É interessante pensar que ela foi projetada como uma maneira de matar vencedores, independente de eles
se matarem entre si ou não… se eles decidissem seguir com a vibe das entrevistas e, quem sabe, se
recusar a lutar ou qualquer coisa assim, eles seriam mortos de qualquer jeito
pela névoa venenosa, os bestantes macacos, os gaios tagarelas que os
atormentavam, a chuva de sangue que sufocava, a onda gigante… ou qualquer outra
“surpresinha” da Capital em cada uma das áreas da arena, pensada como um
relógio.
Tic-tac.
Por outro
lado, também encaramos toda a construção do Massacre Quaternário como a
construção do final que é surpreendente, quando você não conhece a história e
os rumos que ela vai tomar… enquanto Tributos dos Distritos 1 e 2 são
Carreiristas e, basicamente, “extensões da Capital” (mais ou menos os “pobres
de direita”), Peeta e Katniss “surpreendentemente” ganham o apoio de vários
outros Tributos, como o próprio Finnick Odair, alguém de quem a Katniss jamais
esperou gostar… mas é essencial em
mantê-la viva e, eventualmente, um dos melhores personagens do filme. E
essa é uma moção não tão discreta presente durante todo o Massacre e que
ocasionalmente chama a atenção de Katniss: parece
que existem pessoas tentando salvar a vida dela.
O clímax do
filme é eletrizante, com direito a um plano para acabar com os Carreiristas, um
desvio do plano que ameaça a vida do grupo que se formou em torno de Katniss, e
mais uma ação surpreendente de Katniss Everdeen que desestabiliza a Capital. Gosto de como ela pensa e age depressa, e
quando ela atira aquela flecha para destruir a redoma, de quebra derrubando o
sinal e o controle da Capital, temos uma sensação catártica impressionante.
Gosto de como “Em Chamas” parece um
caos no final, enquanto informações vêm à tona em questão de minutos e
descobrimos que Peeta foi capturado pela Capital e existia um plano com vários
Tributos para manter Katniss viva, e agora eles estão em um aeroplanador voando
para o Distrito 13 porque a Revolução
começou…
Recebemos
toda essa enxurrada de informações como Katniss. Propositalmente.
Não existem
mais Jogos Vorazes. A queda da Capital começou oficialmente, sua fragilidade
está exposta e os Distritos sabem que podem e devem lutar, que essa é a hora. E que a força jaz justamente no fato de eles
serem muitos e estarem juntos. É uma maneira excelente de encerrar “Em
Chamas”, porque há uma “conclusão” para toda a trama do Massacre
Quaternário, mas sabemos que isso tudo é apenas mais um capítulo na construção
de uma história muito maior que se iniciou em “Jogos Vorazes”, quando a faísca da esperança nasceu e Katniss se
tornou o tordo, e que só se encerra em “A
Esperança”, quando a Revolução acontecer de fato e a Capital tiver sido
devidamente derrubada. Essa saga é, de fato, uma das melhores histórias já
contadas na ficção.
E nem de
longe é “meramente ficção”.
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