Jogos Vorazes – A Esperança: O Final (The Hunger Games – Mockingjay: Part 2, 2015)

“Ladies and gentlemen, welcome to the 76th Hunger Games”

UM MARCO INDISCUTÍVEL! Reconheço que “A Esperança” é o meu livro menos favorito da trilogia de Suzanne Collins, e que a primeira parte da adaptação cinematográfica é o filme de que menos gosto dos quatro, mas “Jogos Vorazes – A Esperança: O Final” é uma conclusão fantástica e surpreendente para uma história madura, importante e extremamente bem conduzida, e que é muito maior do que a história de Katniss Everdeen ou de Peeta Mellark. “Jogos Vorazes” é uma distopia que brinca com elementos da ficção científica e da sociologia para trazer uma história consciente que é tanto um exemplo de narrativa ficcional, quanto uma crítica social ferrenha, culminando em uma das minhas sagas literárias e cinematográficas favoritas.

A história de Suzanne Collins é um daqueles exemplos de como a ficção pode falar sobre o que é real. “Jogos Vorazes” sempre foi muito mais do que a história de “crianças que são colocadas em uma arena para matar umas às outras até que só sobre uma”: é a história de um governo autoritário que garante o seu domínio sobre os Distritos subjugados através do medo, e que vê o seu status quo finalmente ameaçado quando uma garota, que não queria nada além de salvar a vida da irmã, desafia a Capital e se torna o símbolo de uma revolução – o Tordo. Acho muito fascinante como o papel de Katniss Everdeen é muito mais simbólico do que qualquer coisa, porque ela, a garota em chamas, foi quem deu aos Distritos oprimidos de Panem algo que o Presidente Snow sempre temeu…

A esperança.

E o fato de Katniss Everdeen ser um símbolo é algo usado de maneira tão irônica durante “A Esperança: O Final”. Afinal de contas, a Presidente Coin a vê apenas assim: um totem, um objeto que ela pode usar para fazer propaganda de guerra, e que precisa ser tirado do caminho a partir do momento em que ela não atende mais aos seus objetivos… esse último ato de “Jogos Vorazes” bebe muito da fonte de Lenin, que também é, de certa maneira, a base para “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, e é muito bom acompanhar a jornada de Katniss conforme ela vai percebendo, cada vez com mais clareza, o quanto não se pode confiar em Alma Coin… e o quanto ela demonstra ser apenas “uma nova versão” do Presidente Snow, contra quem eles lutam.

A história da humanidade.

Por isso, Katniss resolve “agir por conta própria” – com a colaboração de algumas pessoas que confiam nela mais do que necessariamente na Presidente Coin… e mesmo quando ela recebe ordem expressa de “ficar para trás”, ela resolve partir para o meio da ação e fazer algo que ela tem querido fazer desde sempre: matar o Presidente Snow. Assim, vemos Katniss invadir a Capital rumo à mansão do Presidente Snow, sempre um passo atrás dos demais rebeldes e, consequentemente, da “batalha real”, mas correndo igualmente risco de vida por causa de “casulos” que foram espalhados por toda a cidade: armadilhas com todo tipo de coisas que podem matá-los… e é mais ou menos como o Finnick Odair comenta: “Bem-vindos ao 76º Jogos Vorazes”.

Toda a Capital foi transformada em uma grande arena – os Idealizadores dos Jogos têm muitas ideias que ainda podem ser usadas. Visualmente, esse é um recurso inteligentíssimo do filme, que consegue “resgatar” um pouco do que chamou muito a atenção do público em “Jogos Vorazes” e “Em Chamas”: a arena. Gosto muito de como tudo ali é preparado pela Capital para que realmente pareça uma nova edição dos Jogos Vorazes… Katniss e os demais são surpreendidos por um óleo preto que cobre uma parte da cidade e tira algumas vidas, mas embora eles sobrevivam, a Capital vende a narrativa de que eles morreram em um prédio implodido por Pacificadores… com direito à exibição noturna dos nomes dos “tributos” mortos, exatamente como acontecia nos Jogos.

Algo que eles podem usar a seu favor… afinal de contas, ninguém sabe que eles estão vivos.

E, como em todas as edições dos Jogos, vidas são perdidas… talvez a mais notável e triste delas (na questão “Capital como arena”, sem levar em consideração aquela outra morte) seja a de Finnick Odair, que é um paralelo perfeito à morte do Cato, lá no primeiro filme. E existe, é claro, todo o arco de Peeta Mellark, que é um dos mais intensos e mais tristes do filme, porque ele está vivo e está ali: mas ele não parece ele mesmo na maior parte do tempo. Peeta é um dos personagens mais adoráveis da ficção: extremamente carinhoso e protetor, ele sempre amou Katniss incondicionalmente, e fez de tudo para proteger a sua vida desde o primeiro momento… desde antes de conhecê-la de verdade. E agora, telessequestrado pela Capital, ele não sabe o que é real e o que não é.

Gosto de como a história de Peeta é a representação clara da perversidade da Capital, que “estragou” as memórias dele para que ele não soubesse mais em quem confiar, o que sentir, como agir (e é muito bonito ver Katniss percebendo uma ponta de esperança de “salvá-lo”, e como ela é a sua constante, e eles tentam contornar o telessequestro através do “Verdadeiro ou Falso” – “You’re still trying to protect me. Real or not real?”), mas como essas ações encontram paralelos claros nas ações da Presidente Coin… afinal de contas, Coin tampouco tem limites e deliberadamente mata crianças inocentes da Capital em um jogo para fazer parecer que a Capital faria qualquer coisa, inclusive matar seus próprios, para impedir a chegada dos rebeldes… a Capital faria, é verdade; mas não foi ela quem fez.

E esse golpe de Coin custa a vida de Prim.

Acho que esse é o grande golpe de “A Esperança”, embora a morte de Prim seja ainda mais impactante no livro do que no filme… quando Katniss se voluntariou como tributo lá em “Jogos Vorazes”, ela não queria derrubar a Capital e ser símbolo da revolução: ela só queria salvar a vida da sua irmã. É ironicamente perverso que, no fim, Katniss a tenha perdido de todo modo, no meio de duas forças igualmente problemáticas e que não se importam com a vida humana além do poder. Mas se a morte de Prim parece “rápida” no filme, talvez tenha sido uma escolha criativa para mostrar justamente o quanto aquilo não era nada para Coin… e o filme traz todo o peso dessa morte mais tarde, quando Katniss volta para casa e reencontra o gato que pertencia à irmã…

A atuação pungente de Jennifer Lawrence nessa cena me pega toda vez.

Suzanne Collins é uma escritora fenomenal. E as “reviravoltas” do fim de “A Esperança” são emblemáticas. Coin nunca foi a cara da esperança para “uma Panem livre” de fato, e as sutilezas do roteiro sempre deixaram isso claro, até que isso seja escancarado em duas grandes cenas do último ato do filme: 1) primeiro, na conversa de Katniss e Snow, quando ele conta que foi ela quem jogou aquelas bombas e ceifou todas aquelas vidas; 2) depois, quando Coin convoca uma reunião e propõe que “a sede de sangue e de vingança” dos rebeldes seja saciada instituindo o que ela chama de “uma edição especial dos Jogos Vorazes”, com crianças da Capital… é a prova final de que, apesar de mudar o rosto que está à frente, as coisas não mudaram de verdade em Panem.

Por isso, o Tordo assume o assunto nas próprias mãos.

A cena da Katniss matando a Presidente Coin é, para mim, não apenas uma das melhores cenas de “Jogos Vorazes”, mas uma das melhores cenas da história do cinema! O texto dessa cena é realmente espetacular; afinal de contas, o Presidente Snow está preso para uma execução pública (!), por Katniss, e Coin faz um discurso no qual fala sobre como “espera que essa flecha do Tordo represente o fim da tirania”, e então Katniss atira nela e não no Presidente Snow… O QUÃO SIMBÓLICO É ISSO?! O povo “cuidará” de Snow, mas Katniss foi uma das poucas que viu a falha da revolução, que estava prestes a deixar no poder alguém tão ruim quanto ele, já que Coin já tinha assumido o poder “por tempo indeterminado”, dizendo que “todos estavam frágeis demais para decidir algo agora”.

Ha!

“Jogos Vorazes – A Esperança: O Final” é extremamente melancólico… mas eu não sinto que poderia ser diferente. É a história de uma revolução, repleta de perdas, mas com uma vitória importante. Eu acredito que Panem estará melhor agora, pelo menos até que a memória do povo esqueça e a história se repita, como Haymitch diz… mas, nesse momento, eles estão melhores do que estavam com Snow, melhores do que jamais estariam com Coin, os Jogos Vorazes foram extintos, os Distritos tentarão trabalhar juntos em uma era de Panem… e Katniss e Peeta viveram como puderam. Felizes para sempre? Não exatamente. Atormentados eternamente por pesadelos e nunca realmente em paz, mas ao menos sabendo que podem contar um com o outro nos momentos difíceis.

Talvez seja mais do que eles tenham sonhado já.

“You love me. Real or not real?”

 

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