A Maravilhosa História de Henry Sugar (The Wonderful Story of Henry Sugar, 2023)
O que você faria se tivesse superpoderes?
Eu preciso
dizer que eu considero Roald Dahl um grande contador de histórias… o autor é o
responsável por duas histórias que eu amo de todo o coração: “Matilda” e “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (tanto em seus livros originais
quanto nas adaptações que surgiram nos anos seguintes, no cinema e no teatro).
Alguns dos outros diversos romances e contos escritos por Roald Dahl durante
sua carreira receberão adaptações para a Netflix, e “A Maravilhosa História de Henry Sugar”, com roteiro e direção de
Wes Anderson, foi lançado em setembro de 2023 para fazer parte dessa futura
coleção. O conto, publicado originalmente em 1977, conta a história de um homem
que conseguia enxergar sem usar os olhos…
e outro que queria descobrir como e ganhar dinheiro com isso!
Adaptado em
forma de curta, com aproximadamente 39 minutos de duração, “A Maravilhosa História de Henry Sugar” é uma produção rica e
interessantíssima. Peculiar e quase inesperado, o curta é apresentado em
formato 4:3, algo pouco convencional atualmente, e com um filtro que dá uma
impressão de filmagem antiga, combinando com o seu estilo que remete, muitas
vezes, à linguagem teatral e às características de um documentário. A
influência do teatro e o quê proposital de exagero me fez pensar em produções
como “Desventuras em Série” e a
sempre maravilhosa minissérie brasileira “Hoje
é dia de Maria”. Há um humor escondido sob uma camada de “seriedade” que
não é realmente séria, e o resultado é realmente único e espetacular.
Gosto muito
de como mudanças na caracterização e no cenário são incorporados à narrativa ao
invés de serem “escondidos” (a mudança em tela de Imdad Khan para a sua
sequência de “flashback” é sensacional!), ou como efeitos como o de levitação
são um aceno à praticidade essencial para que esse tipo de história seja
contada de forma teatral. E, tal qual no teatro, o elenco pode interpretar mais
de um personagem em cena. O elenco é liderado por Benedict Cumberbatch como o
personagem-título de “A Maravilhosa
História de Henry Sugar”, e conta também com nomes como Ralph Fiennes (que
interpreta o próprio Roald Dahl escrevendo na cabana em que costumava escrever),
Dev Patel, Ben Kingsley, Richard Ayoade, David Grant e Jarvis Cocker.
Sendo, na
verdade, uma grande narração que usa de estratégias criativas para prender a
atenção do espectador, “A Maravilhosa
História de Henry Sugar” tem muita história em 39 minutos – e eu adorei o
conceito de estarmos vendo o que está
sendo lido em um livro, em um diário ou em anotações, com direito a
intervenções e interrupções como “Eu
disse”, que funcionam com um timing
perfeito, dando ao curta a sua identidade. Acompanhamos um pouco de Imdad Khan,
o homem que podia enxergar sem usar os olhos, tanto pouco antes de sua morte
quanto quando, na sua juventude, ele começou a treinar para adquirir esse dom,
e acompanhamos também o próprio “Henry Sugar”, cujo nome real nunca é revelado
porque “a sua identidade precisa ser preservada”.
Há um quê de
utopia e de melancolia em todo o desenrolar e toda a conclusão da história,
conforme Henry Sugar atinge seu objetivo, passa a ganhar muito dinheiro em
cassinos, porque pode ver o conteúdo das cartas que não estão viradas para ele,
mas perde a “emoção” da aposta e se pergunta o que vai fazer dali em diante… então, a visita inesperada de um
policial depois de ele jogar uma boa quantia de dinheiro pela sacada e causar
uma confusão na rua (!) o faz ter uma ideia, e ele passa o resto dos seus dias
andando pelo mundo, de cassino em cassino, trocando de identidade às vezes
algumas várias vezes na mesma semana, ganhando dinheiro, mas não demais para
“não levantar suspeitas”, e investindo em obras de hospitais e orfanatos em
tantos lugares…
Curiosamente,
eu terminei o curta me sentindo um pouco
reflexivo – e pensando um pouco a respeito de algo sobre o que provavelmente
você já se questionou: o que você faria
se você tivesse superpoderes? Quer dizer, poder enxergar sem usar os olhos,
mesmo depois de tanto tempo de treinamento, é uma espécie de superpoder, e
vemos diferentes personagens reagirem a isso de diferentes maneiras… e,
ironicamente, Imdad Khan é provavelmente o
mais egoísta deles. Imdad Khan usou o seu poder para trabalhar em um circo
e impressionar as pessoas até o dia de sua morte; o médico que o conheceu já
pensou em como isso podia ajudar a pessoas cegas; o rico Henry Sugar, por fim,
surpreendentemente usou o dom para ficar mais rico, mas ajudar às pessoas com o
dinheiro ganhado…
Complexo, não?
Talvez parte
de mim esperasse algo mais trágico, talvez parte de mim esperasse uma
reviravolta irônica ou sádica, mas acaba sendo um conto com uma mensagem
bacana, uma ideia curiosa e, quem sabe, um pouco de poesia e teatro. Acho que “A Maravilhosa História de Henry Sugar”
é uma boa história, mas o segredo do sucesso desse curta (que atualmente conta
com 96% de aprovação da crítica especializada e 81% de aprovação do público no
Rotten Tomatoes) está em sua execução meticulosamente pensada para ser algo diferente do que as pessoas podiam
esperar… e, assim, acaba surpreendendo por escolhas criativas acertadas, por
seu visual bonito e pelas atuações que sabem o que estão fazendo e ajudam a
entregar uma boa história para o público.
Gostei
bastante!
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