O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind, 2023)
“There is
no going back to normal”
Baseado no
livro homônimo de Rumaan Alam e dirigido por Sam Esmail, “O Mundo Depois de Nós” é um suspense interessantíssimo no qual o
mundo precisa lidar com eventos quase apocalípticos que acabam com as
comunicações e isolam as pessoas. O filme foi lançado inicialmente em um
festival, chegou a poucos cinemas em seguida e teve distribuição internacional
pela Netflix em 08 de dezembro de 2023 – e foi nesse momento que ele chamou a atenção. O filme é uma grata
surpresa e uma excelente maneira de terminar o ano, porque é facilmente um dos
meus filmes favoritos de 2023, especialmente pela construção competente do
suspense que me deixou apreensivo, tenso e 100% vidrado na tela, curioso para entender o que estava acontecendo…
E o que
estava por vir.
O filme é
protagonizado por Julia Roberts e Ethan Hawke como Amanda e Clay Sandford, e
por Mahershala Ali e Myha’la como George (G.H.) e Ruth Scott, e o elenco
pequeno é completado por Farrah MacKenzie e Charlie Evans como Rose e Archie,
os filhos dos Sandford, Kevin Bacon como Danny e Vanessa Aspillaga como uma
mulher que Clay encontra na rua, pedindo ajuda em espanhol em total desespero.
Além de ter um roteiro excelente a meu ver, e atuações incríveis, “O Mundo Depois de Nós” também conta com
uma direção magnífica, com jogos inteligentes de câmera que propositalmente
causam desconforto, construindo o
clima de tensão em um suspense realmente palpável! A trilha sonora também
contribui para intensificar o que sentimos ao assistir.
É
impressionante, de fato!
O filme é
dividido em 5 partes (“Parte I: A Casa”,
“Parte II: A Curva”, “Parte III: O Barulho”, “Parte IV: A Inundação” e “Parte V: O Último”), e eu acho
fascinante como isso também parece contribuir para um crescente de emoções,
levando a audiência a se colocar na pele dos personagens, se perguntando, cada
vez mais apreensivos, o que vem a
seguir. Acho muito interessante quando um filme com temática apocalíptica
representa o momento em que tudo muda,
ao invés de só nos mostrar como a humanidade está reagindo depois de ter que
encontrar uma maneira de “seguir em frente”. A tensão de ver o mundo como o
conhecemos ir se esfarelando gera pânico, angústia, incerteza e facilmente atrai o público que se pergunta o que
faria naquela mesma situação.
Para mim, um
eterno apaixonado por suspense, essa é a característica que mais me captou. “O Mundo Depois de Nós” lida com
diferentes situações e o faz muito bem… adoro a sequência do barco que vai se
aproximando da praia lentamente, até o momento em que as pessoas notam que precisam sair da frente, por exemplo;
adoro o clima de desconfiança que surge na casa quando G.H. e Ruth aparecem
misteriosamente durante a noite, dizendo-se os donos da casa e citando um
“apagão” na cidade, mas aparentemente sem dizer de verdade o motivo que os levou até ali; adoro a construção do
roteiro que leva os personagens e nós mesmos a entender que o que quer que
esteja acontecendo é muito mais amplo do que o que vemos ali, naquela casa de
férias…
Todas as
transmissões de TV são cortadas abruptamente; a internet para de funcionar em
qualquer dispositivo; os celulares não têm sinal, nem mesmo um telefone por
satélite parece funcionar; um drone gigantesco derruba uma chuva de panfletos
que diz “Morte à América”, gerando ainda mais pânico; aviões caem no mar e
destroem as casas ao redor; as estradas estão bloqueadas porque carros
autônomos estão desgovernados e se amontoando; um barulho ensurdecedor parece
ter mais consequências do que as que eles conseguem visualizar; os animais
estão alvoroçados, com cervos se reunindo ao redor da casa e flamingos
invadindo a piscina, por exemplo; cada detalhe contribui para que fiquemos mais
e mais com a sensação de “fim do mundo”.
As
interações entre os personagens também são construídas de maneira brilhante. As
primeiras interações entre os Sandford e os Scott são cheias de dúvidas e
acusações veladas, e eles curiosamente precisam aprender a se dar bem o
suficiente para enfrentar o que está por vir e a verdade aterradora: as coisas não voltarão ao normal. Talvez
a “aliança” seja oficialmente selada quando Archie desperta com os seus dentes caindo e, sem maneira
de levá-lo a um hospital, Clay aceita a sugestão de George para buscar um
vizinho “prevenido”, que é a única chance que eles têm, o que rende uma cena
intensa e angustiante; em paralelo, Amanda e Ruth precisam buscar Rose, que
desapareceu, e Amanda salva a vida de Ruth de cervos possivelmente selvagens. A
construção dessas emoções é
impecável.
Tudo é muito
intenso, palpável, real.
Por incrível
que pareça, eu acredito que talvez o filme tivesse se beneficiado de não explicar o que de fato estava
acontecendo… particularmente, eu não acho que tudo tenha que ter respostas
sempre, e a dúvida tornaria a experiência ainda mais imersiva e aberta a
teorias, mas “O Mundo Depois de Nós”
entrega uma explicação plausível que tem a ver com o início de uma guerra – uma
guerra na qual as próprias pessoas vão se matar entre elas. Depois de isolar as
pessoas, espalhar desinformação e gerar pânico, tudo o que os poderosos
interessados precisam fazer é deixar que as pessoas se matem umas às outras…
brutal e eficiente. A cena de George contando sobre o seu “cliente” para Amanda
é uma das minhas favoritas: atuação perfeita de Mahershala Ali.
Há uma fala importantíssima
do filme que é o que eu quero trazer para os meus comentários finais nesses
dois últimos parágrafos: sobre como a mídia e a ficção desempenham um papel
duplo, como fuga e como reflexão. “O
Mundo Depois de Nós” nos proporciona a possibilidade de reflexão ao nos
colocar no lugar dos protagonistas, nos fazer pensar o que faríamos se
estivéssemos naquela situação e mais do que isso, ao nos mostrar como a
natureza humana reage à beira de um colapso… as pessoas se unem, como os Scott
e os Sandford, ou elas se isolam e se voltam umas contra as outras, como o
Danny? O Danny é um personagem de uma cena só, mas marcante: e ele me fez
pensar nas pessoas estocando comida e papel higiênico no início da pandemia de
Covid-19.
Quando nada disso era necessário ainda.
Por outro
lado, o poder da mídia como fuga… destaco a cena em que George mostra para
Amanda sua coleção de discos e ela parece mais
leve do que em qualquer outra cena do filme quando ela coloca uma música
para tocar e dança, e, é claro, a fascinação que Rose tem por “Friends”, e o seu desejo de assistir ao
último episódio da série. É poderosa a resposta de Rose ao irmão quando Archie
pergunta por que ela está pensando
tanto nisso e ela responde que “ela se importa com esses personagens, que eles
a fazem feliz, e que ficar feliz é do que ela está precisando nesse momento”.
Isso é tão REAL e, particularmente, tão relacionável. É mais do que uma fuga,
mas um refúgio, e quantas vezes não somos “salvos” por aquele filme/série/livro
que amamos e nos faz bem? Nos momentos mais difíceis?
Escolha
lindíssima a daquela cena final, com o DVD de “Friends” e “I’ll Be There
For You” nos créditos.
Arrepiou!
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