Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante (Aristotle and Dante Discover the Secrets of the Universe, 2022)

“Someday, I'm going to discover all the secrets of the universe”

Com roteiro e direção de Aitch Alberto e baseado no livro de Benjamin Alire Sáenz, “Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante” (ainda estou me acostumando à pequena mudança sofrida pelo título no Brasil) é uma adaptação belíssima de uma obra tocante a respeito de amor, identidade e amadurecimento. Lançado em 2012, o livro traz a história de dois adolescentes mexicano-americanos gays na década de 1980, tentando descobrir quem eles são e quais os segredos do universo – e a relação que eles constroem conforme se aproximam e entendem a importância do outro em sua vida faz com que eles encontrem amizade, apoio e amor, mas também faz com que eles precisem enfrentar anseios e medos com os quais talvez tenham vivido toda a vida.

A adaptação cinematográfica foi lançada em setembro de 2022, no 47º Festival Internacional de Cinema de Toronto, mas só chegou aos cinemas em setembro de 2023 (no caso do Brasil, em novembro, com uma distribuição infelizmente pequena). Atualmente com uma aprovação de 89% da crítica especializada e 95% do público no Rotten Tomatoes, “Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante” é de uma beleza, de uma intensidade e, ao mesmo tempo, de uma sensibilidade impressionantes. Senti-me novamente arrebatado pela história desses jovens, e adorei a linguagem e o ritmo do filme, que nos envolve na história e na vida de Ari e Dante e transmite emoções com destreza. Terminei o filme sorrindo e feliz, mas com os olhos cheios de lágrimas.

Acredito que é uma excelente adaptação da obra original!

O filme pode ser “dividido” em três partes. Na primeira delas, conhecemos Aristóteles, um garoto fechado que prefere se isolar a fazer parte de grupos com os quais não se identifica, e a sua vida acaba mudando por completo quando ele conhece Dante em uma piscina pública e o garoto o ensina a nadar… Dante é mais livre e aventureiro (seu quarto bagunçado, seu sorriso fácil, seus pés descalços!), e diferente dos outros garotos: Ari gosta de estar com ele. Então, os dois constroem uma amizade linda que preenche os dias daquele verão com caminhadas, conversas e descobertas. Aristóteles não se sente sozinho pela primeira vez na vida, e então Dante anuncia que ele está indo embora por um ano, porque o pai vai trabalhar na Universidade de Chicago.

E, pouco depois de dizer isso, ele sofre um acidente.

Sinto que minha experiência com o filme é naturalmente influenciada por minha leitura do livro, e eu automaticamente confiro significados que são explorados em mais detalhes na obra escrita e ficam subentendidos na adaptação para o audiovisual, mas eu realmente acredito que a essência da história e dos sentimentos está ali, e é um excelente filme mesmo para quem não leu ao livro. Toda a sequência do atropelamento me pega demais, porque, ao ver Dante se colocar em risco para salvar a vida de um passarinho machucado no meio da rua, Ari é tomado de um desespero tão grande que ele coloca a própria vida em perigo, apenas para garantir que nada de ruim aconteça a Dante… e pouco depois eles se despedem, com Dante deixando um presente.

A segunda parte do filme, então, acontece com Dante e Ari separados durante um ano – e é maravilhoso como o filme funciona e como o filme continua sendo sobre ambos, mesmo quando eles não estão juntos… é curiosa a maneira como somos convidados a experienciar aquilo tudo ao lado de Aristóteles, que é jogado de volta na sua vida “sem o Dante”, a não ser pelas cartas que ele recebe constantemente e nas quais Dante conta suas histórias e experiências em Chicago. Há tanta emoção nas palavras em voice over de Dante, e percebemos como isso vai lentamente mexendo com Ari… a maneira como Dante pergunta se ele se masturba, como conta sobre uma garota que beijou, mas como acha que prefere beijar garotos, ou como tem medo de como os pais vão reagir quando ele contar…

Dante está vivendo uma vida de cidade grande, se permitindo se descobrir e ser livre.

Aristóteles continua em El Paso, onde sempre esteve.

Uma das cenas mais emblemáticas do filme acontece quando tudo parece estar explodindo dentro de Aristóteles, e ele chega em casa confrontando os pais a respeito de seu irmão, Bernardo, que foi preso há muitos anos e que os pais “fingem que não existe”, e então ele descobre que Bernardo matou uma pessoa com as próprias mãos – e pior: em um ato de transfobia. Era parte de sua história também, de alguma maneira, algo que ele sempre quis saber porque lhe fazia mal não saber nada sobre o irmão, mas ele não se sente melhor ao saber a verdade, como esperava… e é linda e angustiante a cena na qual ele conversa a respeito disso com Dante por telefone. E entendemos que, mesmo distantes, eles sempre terão um ao outro com quem contar.

A terceira e última parte do filme começa com o retorno de Dante a El Paso – e Aristóteles percebe o quanto ele está diferente, o quanto ele mudou, e isso de certa maneira o apavora… porque ele não passou pela mesma mudança. Dante nunca foi bom em externar seus sentimentos e deixar de lado seus medos. Eles se abraçam, felizes com a companhia um do outro, eles brincam com a nova cachorra que Ari acolheu na ausência de Dante, eles vão juntos na picape vermelha para ver as estrelas longe da poluição luminosa da cidade… mas as coisas não são mais as mesmas, e ambos sabem disso. Quando eles se beijam na picape como uma “experiência”, Ari fica tão apavorado com seus medos e inseguranças que ele diz que “não funciona” para ele e expulsa Dante do seu carro…

Da pior maneira possível.

Essa é uma das cenas mais tristes de “Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante”, porque Dante acreditou que estaria bem apenas com a amizade de Ari, desde que ele não tivesse vergonha dele e não o abandonasse quando as pessoas o chamassem ofensivamente de “bicha” e outras palavras na rua, mas quando Ari o expulsa do carro fazendo exatamente o que Dante temia que outras pessoas fizessem, ele fica arrasado… e Aristóteles também fica! O processo de descoberta da homossexualidade é algo muito pessoal e com o qual cada um lida de uma maneira diferente e dentro do seu próprio tempo, e se ainda hoje vivemos em uma sociedade conservadora e heteronormativa, na qual “sair do armário” não é simples, imagine 40 anos atrás.

Duas cenas são extremamente importantes para Ari depois dessa dolorosa briga com Dante. A primeira delas quando a sua tia favorita morre e ele vai até a cidade na qual ela morava para o velório… a cena no carro com o pai, quando eles começam a conversar, é lindíssima, bem como a cena com o pai e a mãe, os três sentados na varanda da casa da Tia Ofelia, quando Ari pergunta por que seus outros tios e tias não vieram para o velório, e a mãe explica que “eles não aprovavam Ofelia” porque ela morou com uma namorada/esposa durante muitos anos; e ela pergunta ao Ari se “está tudo bem” por ele. Ari pode não ter tido, ainda, a força de se assumir nem mesmo para si mesmo (!), mas é muito importante ele entender que os pais amavam a Tia Ofelia.

Depois, o momento no qual Ari retorna para a cidade, vai buscar a sua cachorra na casa dos Quintana, e descobre que Dante está no hospital – porque ele foi espancado quase até a morte por uns caras que o viram beijando outro menino em um beco. Essa é, para mim, uma das partes mais dolorosas do filme, tanto porque é horrível ver o Dante naquele estado na cama de hospital, desacordado, quanto porque me dói profundamente ouvir a mãe dele dizendo a Ari que “machucaram o seu bebê”. O medo constante de ser agredido ou morto com o qual a comunidade LGBTQIA+ convive diariamente é, ainda, dolorosamente atual, e é algo que nos fere e fere as pessoas ao nosso redor que nos amam… foi o maior medo da minha mãe quando eu lhe disse que era gay.

Dante externa toda sua frustração de maneira violenta em cenas fortíssimas. Primeiro, ele procura Daniel, o garoto com quem Dante estava se beijando, tanto para gritar com ele por ter corrido e deixado o Dante para trás sem fazer nada para ajudá-lo, quanto para tentar descobrir quem foi que bateu em Dante. Quando consegue um nome, Ari vai atrás de um dos caras que bateram em Dante e o espanca… a brutalidade e a crueza da cena são surpreendentes, tornando aquilo intenso, real e selvagem, porque nem mesmo Ari sabe o que ele seria capaz de fazer se ele não tivesse sido detido. Será que ele teria matado o cara a socos, como o irmão fez? Isso o apavora, também, e é um aceno ao que ele dissera no início do filme: como os pais temem que ele seja como o irmão.

Quando ele retorna para casa, todo sujo com o sangue do cara que espancara, ele tem uma cena poderosíssima com os pais, e cheia de camadas. É, provavelmente, uma das cenas mais importantes do filme! É fortíssima a maneira como ele se desculpa com os pais e fala sobre “haver algo errado com ele”, se referindo ao medo ou certeza de que é como o irmão, e os pais o acolhem e o ajudam a colocar para fora coisas que ele tem guardado dentro de si, por medo ou vergonha, e que estão lhe causando tanto sofrimento por estarem escondidas. Eu amo a maneira como o pai fala sobre não querer que a solidão se espalhe dentro dele, e como ambos falam sobre como ele deve parar de correr do que ele sente: ele ama o Dante, e deveria estar orgulhoso disso.

É tão intenso, poético, arrebatador… lindíssimo!

Toda a sequência final de Aristóteles e Dante também é lindíssima. Depois de sair do hospital, ainda com hematomas, Dante aceita passear com Ari, que o leva até o lugar deles no deserto, mas ele diz que “não consegue fazer isso”: ele não consegue voltar a ser apenas seu amigo. E, então, vemos Dante se esforçar para colocar seus medos de lado e falar sobre o que sente, algo que ele nunca esteve habituado a fazer, e ele pede que Dante recorde o que ele dissera quando ele o beijou pela primeira vez… apenas para dizer que mentiu para ele naquele momento. E, agora, eles se beijam novamente, com Ari tendo a certeza de que ele não vai mais ter medo de amar Dante Quintana. A pureza e o conforto daquele abraço, daquelas mãos dadas sob as estrelas…

Daquela “descoberta” dos segredos do universo nas mãos um do outro.

Eu AMO essa história, eu AMEI esse filme. Belo, tocante, sensível… um belíssimo filme!

 

Para a review do livro “Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo”, clique aqui.
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