Sandman, Volume 6 – A Canção de Orpheus

A jornada de Orpheus.

Publicado originalmente em outubro de 1991 em “Sandman Special”, uma edição especial entre as edições #31 e #32 de “Sandman”, “A Canção de Orpheus” é um daqueles EVENTOS quando se fala de “Sandman”: QUE LEITURA MARAVILHOSA DO INÍCIO AO FIM! Com 50 páginas (quase o dobro de uma edição comum), o especial conta uma história razoavelmente independente – mas apenas por trazer Orpheus, o filho do Senhor dos Sonhos com Calíope, como protagonista, e por conter uma jornada com início, meio e fim, que começa no dia do casamento de Orpheus e termina no dia em que ele viu seu pai pela última vez… mas a edição goza da presença de todos os Perpétuos e casa com o que lemos em “Sandman #29”, quando Sonho pediu a ajuda de Johanna Constantine para uma missão…

“A Canção de Orpheus” seria um EXCELENTE episódio especial à parte na adaptação!

Separado em capítulos (e com um epílogo), a história começa no dia do casamento de Orpheus com Eurídice, sua amada noiva. Ganhamos momentos peculiares e maravilhosos (a bizarrice que adoramos em “Sandman”) como a chegada de Morte com toda a família – e Orpheus apresenta todos os seus tios e tias a Eurídice: a Tia Teleute; a Tia Aponoia; a Tia Mania; Tio/Tia Epithumia; Tio Olethros; e Tio Potmos… todos em seus nomes gregos. Por isso, Sonho é chamado de Oneiros nessa edição (e eu adoro a maneira como ele tem diferentes nomes e diferentes formas). E a presença da família traz, já, algumas dicas do que estamos prestes a ver… quando Potmos, o Destino, não deseja “felicidades” ao casal porque, afinal de contas, ele sabe o que está prestes a acontecer.

Nós entendemos pouca coisa depois… logo após a cerimônia, quase todos vão embora antes da festa, a não ser a Tia Teleute – que conhecemos como “Morte”. Quando Orpheus questiona a tia a respeito da partida dos demais, ela explica que “eles tinham coisas a fazer”, e quando ele diz que ela ficou, ela diz que “ela também tem coisas a fazer”, e então entendemos… o Destino de Eurídice estava selado, e ela morre picada por uma cobra no dia do seu casamento com Orpheus, tentando escapar de Aristeu, o suposto “amigo” de Orpheus. É profundamente dramático, se você me perguntar, mas é um grande momento de “Sandman”: Teleute chamando o nome de Orpheus antes de desaparecer para ir buscar Eurídice, enquanto Orpheus se inteira do que aconteceu.

E ainda que seja supostamente tarde demais para fazer alguma coisa, Orpheus não quer deixar a sua amada ir sem que eles tenham vivido o seu amor em sua plenitude… por isso, sem comparecer ao funeral de Eurídice e ignorando a pira ao longe, Orpheus toca a sua lira e canta, abrindo um portal até o Sonhar para que possa conversar com o pai – e Oneiros tem palavras muito sábias, ainda que secas e aparentemente rudes, sobre como é ser mortal, sobre o que é o luto e sobre como Orpheus está vivo, diferente de Eurídice, e, portanto, precisa continuar vivendo… ele não tem tempo e/ou paciência para ouvir às tolices do filho a respeito de ir até o Mundo Abissal para falar com Hades e tentar convencê-lo a deixar que Eurídice retorne ao mundo dos vivos…

Furioso e inconformado com a atitude do pai, Orpheus vai embora dizendo que Osneiros “não é mais seu pai”, e ele pensa em se matar, para que possa estar novamente junto de Eurídice… ele acaba sendo detido por Olethros, a Destruição, que o aconselha a procurar Teleute, a Morte, e pedir sua ajuda… é assim que Orpheus termina na casa da tia e faz uma espécie de “acordo” com ela, sem saber exatamente do que ele está abrindo mão quando aceita quaisquer regras e condições que estejam envolvidas em permitir que ele vá até o Mundo Abissal: ela pode dar a ele esse poder, mas nunca mais poderá “resgatá-lo”. Satisfeito, Orfeu empreende uma jornada até a entrada do Mundo Abissal, oferece um presente a Caronte, o Barqueiro, e chega até Hades e Perséfone.

Eu adoro a variedade de estilos que “Sandman” pode oferecer… eu adoro a abrangência com a qual Neil Gaiman brinca sem que se torne estranho – não de uma maneira ruim, pelo menos, porque reflete um pouco dessa ideia de Sonhar, e do mundo complexo e cheio de misturas e possibilidades no qual vivemos… ou com o qual sonhamos. Acho que esse é um dos motivos de “Sandman” ser tão apaixonante. Orpheus faz uma súplica inspirada e pede por mais tempo para Eurídice, ou então que ele fique ali com ela, mas Hades diz que sua oferta não faz sentido, porque “ele não pertence àquelas paragens”. Hades aceita “ajudar” Orpheus, mas, assim como Teleute fizera, fala de regras e condições – e, determinado e imprudente, Orpheus não se atenta ao sorriso sinistro de Hades ao falar isso…

Ou à gargalhada cujo eco o segue por horas.

Orpheus caminho por horas e horas uma longa distância rumo ao mundo dos vivos, com a promessa de que Eurídice o segue e que estará de volta com ele quando ele chegar ao seu destino, desde que ele não olhe para trás em nenhum momento… e Orpheus o faz pela maior parte do caminho, mesmo quando sente que está sozinho, mas eventualmente sucumbe à tentação de olhar, começando a acreditar que foi feito de chacota por Hades, e é naquele momento em que ele perde Eurídice novamente. Ela estava ali, caminhando silenciosamente atrás dele, e se perde novamente em direção ao Mundo Abissal, e Orpheus jamais terá essa chance novamente… dali em diante, ele vive infeliz, pensando em um amor que ele nunca pôde viver.

“A Canção de Orpheus” ainda tem um toque sangrento e macabro que Neil Gaiman adora. Anos depois de seu retorno sozinho do Mundo Abissal (e depois de ele ter tentado se matar e ter percebido que isso era impossível, por causa das condições que aceitara com Teleute), ele se recusa a partir com a mãe, e fica para trás mesmo com a iminente chegada das Bacantes, que o atacam brutalmente e a única coisa que sobra é a cabeça… ainda viva, porque a morte não lhe cabe mais. E, então, ganhamos contexto suficiente para entender “Termidor” e o pedido do Sonho a Johanna Constantine, quando ela resgata a cabeça de Orpheus no meio da Revolução Francesa… e Orpheus pode sentir falta do pai e acreditar que foi “esquecido”, mas ele se importa à sua maneira…

E cuidou dele como pôde. Talvez.

 

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