Sandman, Volume 6 – O Parlamento das Gralhas / Ramadã
Histórias.
Uma coisa é
certa: Neil Gaiman é um exímio contador de histórias. “Sandman” é de uma riqueza e de uma variedade quase inexplicáveis
e, justamente por isso, Neil Gaiman consegue trazer diferentes tipos de
narrativas em um universo amplo que sempre, de uma maneira ou de outra,
perpassa o Sonhar. “Fábulas e Reflexões”,
o Volume 6 de “Sandman”, trouxe uma
variedade de contos em edições
isoladas da publicação – o que quer dizer, também, que as histórias não se
apresentam necessariamente em ordem de publicação, mas isso pouco importa no
Sonhar… é como se “Fábulas e Reflexões”
fosse ele mesmo um “lugar maleável”, onde o tempo funciona de uma maneira diferente. E encerramos, agora, com duas
edições realmente EXCELENTES do início ao fim.
Publicada
originalmente em junho de 1992, “O
Parlamento das Gralhas” é a 40ª edição de “Sandman”, e é uma das minhas edições favoritas nesse sexto volume.
Nessa história, acompanhamos um bebê chamado Daniel que chega ao Sonhar e
termina na Mansão dos Segredos, em uma espécie de “reunião” que emula o próprio
parlamento das gralhas – um lugar
onde histórias são compartilhadas. Enquanto Daniel escuta histórias e se
diverte com Goldie, o grupo formado por Matthew, Eva, Caim e Abel contam
histórias das mais variadas e fascinantes. Caim é quem traz a história do
Parlamento das Gralhas, sem explicações, porque ele é aficionado por
“mistérios”. Eva, em seguida, conta a história das três mulheres de Adão. E
Abel conta a sua história com Caim, a Morte e o Sonho.
A história
de Eva é uma das minhas favoritas… eu adoro como Neil Gaiman consegue “brincar”
com essa faceta bíblica (“Há quem diga
que essa é uma história verdadeira e que houve mesmo um paraíso terrestre.
Outros afirmam que a narrativa é apenas uma alegoria para o surgimento da
consciência, o fruto agridoce da sabedoria”), e como Eva nos conta sobre a
primeira mulher de Adão, Lilith, a segunda que nunca recebeu um nome, e a
terceira, ela mesma. Mas a história de Abel é, provavelmente, o ápice da
edição: a maneira como ele conta a sua própria história (as brigas com Caim, a
chegada da Morte, a proposta de Sonho que morasse em seu próprio jardim), mas
como ele a “ameniza”, tornando tudo mais fofo e meigo, com direito ao Sonho e à Morte crianças.
Visualmente
também é muito fofinho e inesperado!
Daniel teve
uma experiência e tanto ali… um pouco além de um simples “Sonho”.
Dez edições
depois, na 50ª edição de “Sandman”,
publicada originalmente em abril de 1993, ganhamos outro grande presente de
Neil Gaiman: “Ramadã”. Aqui,
conhecemos Haroun Al Raschid, o califa de Bagdá em toda sua glória: ele morava
no Palácio da Sabedoria, do Prazer e das Maravilhas, e era responsável pela maior de todas as cidades da Terra, o
lugar mais incrível já conhecido pela humanidade… ainda que ele seja um califa
adorado e que a cidade prospere de maneira quase indizível sob seu comando,
Haroun Al Raschid é atormentado pelo
medo do que virá a acontecer a Bagdá um dia… ele teme que, assim como as ruínas
que ele encontra enquanto caminha pelo deserto, a cidade mais maravilhosa da
Terra um dia se reduza a cinzas, a destroços…
E ao
esquecimento.
Por isso,
Haroun Al Raschid empreende uma jornada perigosa e audaciosa, e visualmente
deslumbrante. Atravessando diferentes portas que ele pode abrir com uma única
chave de ouro, e passando pelas coisas mais
incríveis guardadas atrás de cada porta, Haroun vai até o Globo de Sulaiman
Ben Daoud, o Rei dos Hebreus, com o qual ele pretende convocar o Rei dos Sonhos
– que, como bem sabemos, não gosta desse tipo de “joguinhos”. Em uma história
que mistura brilhantemente a realidade e os sonhos, Haroun Al Raschid barganha
com Morfeus, oferecendo-lhe sua própria cidade para que ela seja eternamente
preservada em toda a sua grandeza em algum lugar do Sonhar… a grandiosidade e a
beleza dessa edição contrastam com um final amargo de uma Bagdá destruída pela
guerra…
Onde um garoto sonha que, em algum lugar, de
fato ainda exista aquela Bagdá de outrora.
Que edição
fenomenal!
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