Um Menino Chamado Natal (Matt Haig)
Acredite no impossível.
Você já
imaginou como deve ter sido a infância do Papai Noel? “Um Menino Chamado Natal” é a melancólica, divertida, impossível e
mágica história de Nikolas, um garoto de 12 anos que viria a ser conhecido como
“Pai Natal”, depois de uma aventura espetacular. Com a narrativa cativante e
inesperada de Matt Haig e as ilustrações lindíssimas de Chris Mould, que dão vida às palavras do autor, “Um Menino Chamado Natal” é um
verdadeiro CLÁSSICO DE NATAL – ainda que ele tenha sido lançado em 2015. Quem
disse que um livro precisa ser muito antigo para ser um clássico? Extremamente
criativo e ocasionalmente surpreendente, Matt Haig constrói uma narrativa que
traz assuntos sérios, ao mesmo tempo em que é uma jornada eletrizante e
aventuresca…
E, bem… natalina.
Existe uma
ideia errônea que comumente “diminui” livros infantis como se eles fossem
inferiores a outros tipos de literatura, quando a verdade é que muitas vezes
eles podem ser ainda mais complexos
do que livros que são oficialmente escritos para um público adulto. Inclusive,
eu acho que os melhores livros infantis
conseguem ser fascinantes e encantadores para crianças, e seguir sendo
fascinantes e encantadores para adultos, que descobrem uma variedade de “novas”
histórias e reflexões quando o releem, anos mais tarde – é assim com “O Pequeno Príncipe” e com “O Mágico de Oz”, para citar dois
exemplos: livros que trazem entendimentos diferentes dependendo da sua idade no
momento da leitura, e que são incríveis tanto para crianças quanto para
adultos.
“Um Menino Chamado Natal” é um desses
livros… eu acho que a história de Nikolas é fantasiosa e divertida para uma
criança que vai adorar conhecer a Vila dos Duendes ou vai se divertir com a
obsessão de Miika por queijo (!), ou ainda a fascinação perversa da Pixie
Verdadeira por explodir cabeças… a
criança dentro de mim estava sorrindo feito um bobo ao ver Blitzen voar pela
primeira vez, por exemplo. Ao mesmo tempo em que é colorida e divertida, a
história de Nikolas também é assustadoramente sombria e bastante melancólica, e tem um peso que talvez só entendamos de
fato como adultos – embora eu acredite que é uma boa maneira de introduzir
temas como o luto para um público mais jovem, e até me surpreendeu a clareza com que Matt Haig fala sobre
isso.
Matt Haig é
direto, claro, cru… sem muita maquiagem.
E isso
mostra que ele não menospreza os seus leitores, o que eu amei.
Também é
necessário ressaltar que a escrita de “Um
Menino Chamado Natal” é PROFUNDAMENTE IRÔNICA, o que é fascinante de
diferentes maneiras. Eu acho que leitores mais jovens acharão o livro realmente
engraçado e darão boas risadas;
leitores mais maduros, por sua vez, perceberão a acidez do deboche e do
sarcasmo, o que para mim é riquíssimo e proporcionou uma experiência incrível…
e, também, boas risadas. A leitura é perfeitamente envolvente. Virei as páginas avidamente, me emocionando, me
entristecendo, me divertindo e me encantando – é como se, depois de “Um Menino Chamado Natal”, nós mesmos
tivéssemos conhecido os duendes e tivéssemos sido “criassonhados”. Agora, temos um pouquinho de magia em nós
também.
Nikolas é um
garoto que pouco conheceu da felicidade
no início do livro, mas ele também é um garoto de coração bom e esperançoso…
tendo nascido no dia de Natal, ele era chamado assim carinhosamente pela mãe, e
ele adora o Natal, mesmo que só tenha ganhado dois presentes na vida: um trenó
vermelho que o pai fizera para ele, e um boneco de nabo que a mãe fizera, anos
mais tarde. A mãe morrera há alguns anos, caindo dentro de um poço enquanto
fugia de um urso (!), e ele e o pai têm vivido sozinhos em um chalezinho
pequeno, frio e sem ter muito o que comer… é por isso que o pai acaba aceitando
uma proposta de trabalho rumo ao extremo norte, em busca da Vila dos Duendes,
mesmo sabendo que ele precisará passar alguns meses longe do filho.
E acho que
esse é o momento de maior sofrimento na vida de Nikolas. É surpreendente como
Matt Haig não tenta aliviar as coisas
pelas quais o garoto passa: deixado sob os cuidados de sua perversa Tia
Carlotta, Nikolas experimenta os piores meses de sua vida, mais ou menos como a
Cinderela maltratada pela madrasta… ou pior. Nikolas trabalha dia e noite em
busca de comida para a Tia Carlotta, cozinha para ela, mas não pode comer ele
mesmo, e tem que dormir do lado de fora do chalé, no tempo frio e no chão
coberto de neve. E se a fome, o frio e a solidão não fossem sofrimento o
suficiente, o momento mais horrível é
quando Carlotta lhe oferece uma sopa suspeita e de gosto horrível, que Nikolas
descobre eventualmente ter sido feita com o
boneco de nabo que a mãe lhe dera de presente…
A última recordação que ele tinha da mãe.
Cruel, huh?
Pensando
agora, no entanto, eu acho que existe um quê de conto de fadas – acho que foi minha citação à Cinderela que me fez
pensar nisso, e eu não tinha me ligado disso ainda. Não é de se espantar,
então, que Nikolas resolva empreender sozinho uma viagem ao extremo norte, ele
mesmo em busca da Vila dos Duendes e do pai… e não é como se ele estivesse
deixando algo para trás: ele já passa os dias inteiros caminhando pela
floresta, tem pouco o que comer e dorme ao relento de qualquer maneira. E na sua
jornada, acompanhado do seu ratinho amigo Miika e de Blitzen, uma imensa rena
determinada que ele ajuda, Nikolas trilha um caminho perigoso rumo a um lugar
do qual dizem que as pessoas não voltam… mas ele continua determinado até o
fim.
Até que
chega à Vila dos Duendes.
A virada que
“Um Menino Chamado Natal” dá quando
Nikolas chega à Vila dos Duendes é palpável… eu não diria que o livro fica feliz dali em diante, porque Nikolas
ainda encontra muito sofrimento na Vila dos Duendes, uma tentativa de assassinato
e uma eventual decepção imensa com o pai, mas a Vila dos Duendes traz magia para o livro. Nikolas e Blitzen
têm as vidas salvas por Pai Topo e a Pequena Noosh, que usam criassonho para
fazer com que eles estejam bem, dando a eles um pouquinho da magia dos duendes… algo que não é bem visto pelos
duendes, porque eles não são exatamente as criaturinhas que Nikolas esperava
conhecer – não mais, pelo menos. Aparentemente, alguma coisa aconteceu
recentemente e os duendes deixaram de acreditar em humanos.
Toda a construção
narrativa da Vila dos Duendes é DIVERTIDÍSSIMA. Matt Haig brinca justamente com
a quebra de expectativa quando nós
temos duendes mal-humorados, ou forçadamente mal-humorados, em uma vila na qual
foi proibida a boa-vontade e a alegria, porque elas foram consideradas
“prejudiciais”. É justamente o exagero caricato que gera o humor de toda a
sequência, com o Pai Vodol se vangloriando por ter “melhorado a vida dos
duendes, tornando-os infelizes” e coisas do tipo. E tudo porque um grupo de
humanos invadiu a Vila dos Duendes há algum tempo e sequestrou um duendinho, o Pequeno Kip… um grupo de humanos do qual
Joel, o pai de Nikolas, fazia parte. Agora, Nikolas sabe que ele precisa fazer
algo.
O pai é um
sequestrador mesmo? Ou tudo é um mal-entendido?
As aventuras
de Nikolas na Vila dos Duendes são hilárias, absurdas e surpreendentes – ele
acaba preso com a Pixie Verdadeira e um Troll, por exemplo, e precisa de uma atitude extrema para salvar a própria
vida e escapar, e ele usa magia (afinal de contas, ele foi criassonhado e, a
partir daí, ele nunca mais foi o mesmo) para fugir da torre na qual está presa.
E o mais divertido? Ele consegue escapar
PELA CHAMINÉ. Eu adoro como Matt Haig brinca com elementos natalinos o tempo todo, porque, afinal de contas,
essa é a história da infância do Pai Natal/Papai Noel, não?! Com a ajuda de
Blitzen, Nikolas voa para longe da Vila dos Duendes para encontrar o pai e o
Pequeno Kip, trazer o duende de volta para casa e provar a todos que tudo não
passou de um mal-entendido…
Isso é, se
tiver sido um mal-entendido.
O que não
foi.
É esse tipo
de detalhe que me faz pensar na surpresa que foi ler “Um Menino Chamado Natal”, especialmente pela maneira como Matt Haig escreve. Os mesmos acontecimentos poderiam
ter sido trazidos de uma maneira mais fantasiosa “por ser um livro infantil”,
mas não é a sua intenção, e isso é MARAVILHOSO. Não tem por que fantasiar as atitudes do pai quando o pai de Nikolas foi,
sim, o responsável pelo sequestro do Pequeno Kip, e não acha que tenha feito
algo errado… não até que o Nikolas o faça ver diferente, pelo menos. A
intensidade da cena na qual Nikolas entende quem
é o pai me atingiu em cheio, e eu adoro o fato de isso ter sido tão claro e tão
verdadeiro, porque claramente conferiu peso
à narrativa… e torna mais bonita a eventual ajuda do pai.
Uma ajuda
que talvez seja mais por culpa do que
qualquer coisa.
No fim,
Nikolas perde também o pai… mas não há o que fazer e, determinado, ele faz a
única coisa que pode: levar o Pequeno Kip, em um trenó vermelho puxado por uma
rena voadora, de volta para a Vila dos Duendes. E é nesse momento que Nikolas
consegue mudar novamente a vida dos
duendes. Nikolas tem o apoio do Pai Topo e da Pequena Noosh, e é tratado
como herói por ter salvado o Pequeno Kip, e aos poucos as coisas vão mudando na
Vila dos Duendes e voltando a ser como eram antes… a dancinha divertida é
permitida novamente, a alegria e a boa vontade também, e Nikolas é recebido de
braços abertos por quanto tempo ele
quiser ficar. E, no fim, Nikolas percebe que não existe mais para onde
voltar no mundo humano, e que ele é mais feliz ali.
Portanto,
ele resolve ficar.
“Um Menino Chamado Natal” é uma
experiência incrível, e caçar referências aos elementos natalinos é uma
maravilha, e parte inevitável da leitura. Todos os elementos da magia do Natal
estão ali: as renas que voam, o trenó vermelho, os duendes que gostam de fazer
brinquedos… gosto de detalhes como o gorro vermelho com um pompom branco ser o
gorro que o pai usava e que fica para Nikolas quando ele o encontra na neve; o
uso da magia para passar pela chaminé, mostrando o que o Pai Topo falava sobre
como a “impossibilidade é apenas uma possibilidade ainda não resolvida” ou algo
assim; a mãe do Pequeno Kip retribuindo Nikolas com brinquedos feitos por ela
mesma de presente, que ela coloca dentro de um pé de meia do marido para
entregar a ele…
E, na reta
final do livro, vemos Nikolas assumindo essa identidade de Pai Natal. Acolhido,
amado e admirado na Vila dos Duendes, Nikolas acaba entrando para o Conselho da
Vila dos Duendes, ganhando o título de “Pai”, e eles decidem trocar o seu nome,
porque não gostam muito de “Nikolas”, e ele escolhe “Natal”, como era chamado
pela mãe, e então se torna oficialmente o “Pai Natal” – é interessante que, em
inglês, tanto “Santa Claus” quanto “Father Christmas” são usados para “Papai
Noel”, então a ideia de chamá-lo de “Pai Natal” é muito boa… mas o famoso nome
“Papai Noel” também faz uma aparição quando o Pai Natal vai visitar a Pixie
Verdadeira, quando ele já tem 22 anos, e ela o chama assim porque “foi um
apelido que as pixies inventaram para ele”.
Pai Natal é
eleito rapidamente para ser o líder da Vila dos Duendes, e ele certamente traz alegria de volta para aquele lugar…
ele institui a dancinha divertida semanal, por exemplo, aumenta o salário
mínimo dos duendes e toma um monte de decisões na esperança de tornar a vida
dos duendes mais felizes – mas ele
sente que ainda está faltando alguma
coisa… ele sente que está muito feliz ali, e que ele tornou a vida dos
duendes mais feliz, mas que ele precisa fazer alguma coisa, também, pelo seu
lado humano… como levar um pouco de magia
para o mundo dos humanos? Quando ele conseguir resolver esse empasse, ele
estará satisfeito, saberá quem é e, como acontece com os duendes, ele deixará
de envelhecer… e isso acontece quando ele tem 62 anos e tem a ideia.
E, bem, nós
sabemos bem o que o Pai Natal vai
fazer agora!
Que livro
delicioso, encantador, espetacular! É a minha primeira leitura de Matt Haig,
embora eu tenha outros livros do autor na minha lista (“Sociedade dos Pais Mortos” e “Como
Parar o Tempo”, por exemplo), e eu não poderia estar mais feliz! Gostei
muito de ser surpreendido por uma narrativa que não tem medo de ser melancólica
e ocasionalmente sombria, mas que também traz a magia natalina, uma mensagem
lindíssima (aquela carta final do Pai Natal para “a primeira criança que acordou”
é muito bonita!) e uma fagulha de esperança, que é a sensação que guardaremos
conosco quando fecharmos o livro… envolvente, triste, divertido e mágico, “Um Menino Chamado Natal” é, para mim, a
história definitiva da infância do nosso querido Pai Natal.
Que livro!
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