Sítio do Picapau Amarelo (1979) – Olhos de Retrós: Parte 3
Ignácia se pergunta o que ela quer…
Emília
colocou na cabeça que queria ser “Rei do Mundo”, e ao aumentar suas
habilidades, ela acabou perdendo até aquelas que ela tinha desde que tomara a
pílula do Dr. Caramujo naquela célebre viagem ao Reino das Águas Claras. A
Marquesa de Rabicó voltou a ser uma simples
boneca de pano, sem voz e sem vida, e a teoria de que talvez ela ainda
esteja pensando não pode ser provada porque o psicocaptor do Visconde
simplesmente desapareceu, roubado a mando do Coronel Teodorico para colocar em
prática aquele plano de enganar o pessoal de Tucanos com a história toda de
“Rei do Mundo”. Agora, para a satisfação de Ignácia e para a tristeza de
Narizinho, Emília continua incomunicável, e Ignácia não tem as mesmas
habilidades da Emília…
Ela não
consegue “Fazer-de-Conta”, por exemplo.
Ainda assim,
Ignácia, a nova boneca feita pela Tia Nastácia e que começou a falar com
semente de urucum que o Saci trouxera para ela, está conquistando o coração de
todo mundo no Sítio do Picapau Amarelo – Dona Benta a elogia por ela “ser muito
educadinha”, por exemplo, e o Visconde de Sabugosa até pula no riacho para
salvar a sua vida quando ela cai, enquanto a Narizinho decide que vai levá-la
para Tucanos, um passeio que era exclusividade da Emília quando ela andava e
falava… ao mesmo tempo em que eles gostam de Ignácia, no entanto, é impossível
não se lembrar de como a Emília pensava
por si só, enquanto Ignácia apenas concorda com tudo e parece fazer de tudo
para agradar a todos, de uma maneira que fica
parecendo meio vazio.
Em um
excelente diálogo de Visconde e Ignácia, ele explica para a nova bonequinha que
Emília era uma boneca especial, sempre inconformada com a realidade e querendo
mudar as coisas, enquanto a Ignácia é diferente, mas ela não fica muito
contente com isso… ela acha que ele está só falando complicado para “chamar ela
de burra”, e quando o Visconde tenta dizer que não é isso o que ele quis dizer
e que talvez ela seja “até mais gente do que a Emília”, Ignácia reclama do
mesmo jeito, porque “queria ser menos gente e mais boneca que sabe o que quer”.
Não saber o que quer é o pesar constante de Ig, que parece andar pelo mundo o
tempo todo buscando algum sentido, algum propósito, mas sem ter nenhum… como a
Emília conseguia ser assim?
Quando o
Pedrinho, a Narizinho e o Zé Carneiro desaparecem
de maneira misteriosa, ficando em um estado de “fumacinha” e invisíveis,
Ignácia leva uma bronca merecida de Dona Benta pela maneira como fica dizendo
que “eles são assim mesmo e somem sem avisar, deixando-a preocupada, mas ela
nunca faria isso”, porque Dona Benta sabe que ela está só caçando elogios e não
gosta dessa atitude… logo Dona Benta afrouxa, no entanto, quando o Visconde
explica que Ignácia não está falando por mal, que é só ingenuidade, e são os
nervos de Dona Benta que a deixam mais irritada mesmo. Perdidos numa espécie de
“nada”, as crianças e o Zé Carneiro são vistos, como era de se esperar, apenas
por Emília, que pode ser uma boneca de pano, é verdade…
Mas tem olhinhos de retrós.
Emília
consegue conversar com eles, usando a sua supervoz para projetar o pensamento
direto para que eles a escutem, mas ela não tem certeza se quer ajudá-los…
afinal de contas, em parte ela está chateada com a Narizinho que fica toda de
chamego com “aquela lá”, é Ig pra cá, Ig pra lá, e Emília no canto, como ela
mesma diz… mas embora Emília os mande pedir a ajuda da Ignácia, a verdade é que
o Faz-de-Conta não funciona com ela, então eles dependem da Emília mesmo, e é
claro que ela não vai perder a oportunidade de mostrar o quanto ela é incrível.
Eventualmente, as crianças voltam ao normal sem a sua ajuda, mas Emília
consegue conversar com o Visconde, enquanto a Ignácia acaba conhecendo uma nova
amiga: Cristininha, neta do Coronel Teodorico.
(E uma
garotinha insuportável!)
Quando
Ignácia volta de Tucanos, o Visconde está esperando por ela porque eles precisam ter uma conversinha…
afinal de contas, ele acabou de conversar com a Emília e descobriu algumas
coisas – como que a Ignácia sabia que
Emília ainda pensava e ainda tinha vida, mesmo que estivesse temporariamente
limitada. Então, ele diz que ela sempre se faz de muito bonitinha e muito
agradável, mas não contou para ninguém sobre Emília, só para que todos
continuassem prestando atenção apenas nela. Ignácia ataca a Emília, diz que ela
é “intrigante”, mas o Visconde está bem
chateado com essa atitude dela, e diz que Emília foi até muito paciente
esperando esse tempo todo para contar, e essa história toda está o levando a
acreditar que Ignácia só gosta de si
mesma.
Isso a deixa
bastante triste.
E, agora,
ela está ainda mais confusa, triste e filosófica.
O que ela
quer de verdade?
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