Sítio do Picapau Amarelo (1979) – Olhos de Retrós: Parte Final

De volta ao normal.

Eu realmente não esperava que a conclusão de “Olhos de Retrós” fosse ser tão fofinha e trouxesse momentos tão bonitos para Emília, a Marquesa de Rabicó que acabou perdendo os seus “poderes de boneca-gente” quando tentou ser “Rei do Mundo”. Essa não é a minha história favorita na temporada (que tem coisas célebres como “Emília, Romeu e Julieta”, com roteiro de Marcos Rey, um autor de quem eu gosto bastante!), mas é uma trama interessante que coloca a Emília em uma posição de vulnerabilidade inesperada e, com isso, faz com que ela repense algumas coisas (essa ambição toda dela de “tomar o cetro do homem como dono do mundo”, por exemplo) e enxergue melhor as pessoas que ela tem ao seu redor… Emília sabe ser carinhosa, quando quer.

Quando o Visconde recupera o psicocaptor que havia sido roubado, eles estão prontos para ouvir o que a Emília tem a dizer, e ela conta para a Narizinho sobre a vez em que ela, o Pedrinho e o Zé Carneiro estavam invisíveis na biblioteca, algo que ficou meio apagado da memória deles, embora tenha acabado de acontecer… todas as conversas com a Emília pelo psicocaptor são como ouvir uma conversa de telefone de apenas um lado da linha, então não temos as informações completas do que está sendo dito, apenas as reações de Narizinho e de Pedrinho enquanto escutam a boneca – algo que incomoda profundamente a Ignácia, porque ela não sabe o que a Emília pode estar falando dela… ouvir o seu nome sendo mencionado, então, causa ainda mais angústia.

Então, Emília resolve usar a sua supervoz para que todos possam ouvi-la ao mesmo tempo, sem o fone do psicocaptor, e ela conta sobre como estava o tempo todo vendo e ouvindo tudo, e como isso fez com que ela descobrisse coisas de cada um e os conhecesse melhor assim… a cena é muito bonita, porque temos a chance de ouvir a Emília falando bem de cada um dos moradores do Sítio do Picapau Amarelo, dizendo que o Visconde é um amigo leal, por exemplo. De Narizinho, ela confessa que ficou chateada no começo, sim, achando que ela estava sendo trocada pela Ignácia, mas depois entendeu que não era o caso, e que Narizinho apenas não a levou a Tucanos, por exemplo, porque o seu rosto estava sujo, e Narizinho confirma: Emília sempre fora muito vaidosa, ela não ia querer ser vista suja.

Visconde, mesmo já tendo uma teoria em relação à resposta, pergunta à Emília como ela sujou o rosto de fuligem, e ela confessa que esteve no seu laboratório e explicou alguma coisa, e todos ficam surpreendentemente felizes, porque o fato de a Emília ter conseguido fazer isso significa que ela conseguiu andar… então, talvez um dia ela possa voltar ao normal! Depois, eles perguntam sobre Ignácia, e eu fico um pouco apreensivo, mas Emília dá um show: ela diz que achou que Ignácia queria roubar o seu lugar, mas no fundo ela não é má… ela é amiga de todo modo e quer que gostem dela, só não é tão inteligente e tão esperta quanto ela, e ela não inventa nada… tudo o que ela sabe é gostar, e se gostarem dela, ela fica satisfeita; se não, ela fica triste.

Extremamente apurado… mas Ignácia não gosta.

Para Ignácia, a descrição “a faz parecer uma boboca”.

Ignácia é um pouco chatinha e rabugentinha, essa é a verdade. Tudo bem que ela não conheceu de verdade a Emília, mas o que ela dissera sobre Ignácia é um grande elogio, ainda mais vindo de Emília! Insatisfeita, no entanto, ela fica enchendo a cabeça do Saci com as suas próprias dúvidas, anunciando que ela quer ir embora dali, porque aquele lugar não a escolheu, e ela tampouco escolheu aquele lugar… a Narizinho gosta mais da Emília mesmo, e ela quer alguém que a escolha, que goste dela como sua favorita… alguém como a Cristininha: “A Cristininha me quer. E eu quero ela”. Mas eu vou dizer uma coisa: por mais chatinha que a Ignácia possa ser às vezes, ela não merecia alguém tão insuportável quanto a Cristininha, a neta do Coronel Teodorico.

Dona Benta convence Narizinho a emprestar sua boneca para Cristininha, mas uma confusão faz com que a Emília seja levada no lugar da Ignácia, que era a boneca que ela pretendia emprestar, e Cristininha é uma criança birrenta, sem limites e mal-agradecida, que fica maltratando a Emília e continuamente a jogando longe quando tentam insistir para que ela brinque com ela, porque não é a boneca que ela quer… sinceramente: a Emília não merecia tamanha provação. Enquanto isso, Ignácia fica arrasada ao ouvir a Narizinho brava por terem levado a Emília, dizendo que a garota pode “escangalhar” a Emília, e que era para terem levado a Ignácia… quer dizer, não foi mesmo algo muito gentil para a Narizinho dizer em frente à Ignácia, né? E ela tem que contornar isso agora.

Narizinho tenta explicar para Ignácia que o que ela quis dizer é que Ignácia pode se defender, enquanto a Emília está toda molenga e sem vida, mas foi cruel de todo modo… e Ignácia está chateada com razão dessa vez. Toda a história da Cristininha faz a Narizinho perceber, no entanto, que ela e Ignácia já se conhecem, e a própria Narizinho reconhece que a Ig talvez não queira mais ficar no Sítio do Picapau Amarelo, então as duas conversam, ambas “tendo algo a dizer”, porque talvez a Ignácia queira ser dada de presente para a Cristininha, que vai levá-la para a cidade, como ela queria… ainda assim, Ignácia não tem total certeza de que é isso o que ela quer, porque ela nunca aprendeu a querer e a tomar decisões, mas Narizinho diz que agora é hora de ela decidir.

Pela primeira vez na vida.

E ela decide.

A trama de “Olhos de Retrós” vai chegando ao final conforme Ignácia toma uma decisão, Narizinho a aceita e toda a história de “Rei do Mundo” chega ao fim quando o Coronel Teodorico prende o Major Agarra-e-Não-Larga-Mais para mentir que ele é o “Rei do Mundo”, o Garnizé o solta e as crianças aproveitam para pedir que ele leve dois recados: um para o Príncipe Escamado, Rei do Reino das Águas Claras, dizendo que eles estão com saudades dele; outro para o Dr. Caramujo, pedindo uma nova pílula falante como aquela que Emília tomou na primeira vez em que esteve lá, porque ela está muda. Quando o Major Agarra-e-Não-Larga-Mais traz a pílula falante para a Emília no dia seguinte, ele a leva diretamente para a fazenda do Coronel Teodorico…

E é lá que Emília, Narizinho e Ignácia se encontram.

Assim que toma a nova pílula falante, Emília desata a falar que é uma belezura, e é uma maravilha vê-la de volta ao normal. Ignácia, por sua vez, está nervosa demais, errando todas as sílabas ao falar, gaguejando e lentamente perdendo a sua habilidade de falar – talvez só possa existir uma boneca falante por vez, no fim das contas. Depois que Emília corre para abraçar a Narizinho e a Cristininha chega para receber a Ignácia, a nova boneca de pano já está sem vida, e o que a chata da Cristininha faz? A recusa e a joga para longe, exatamente como estava fazendo maldosamente com a Emília esse tempo todo… com ou sem vida, devo dizer que eu fiquei muito satisfeito em ver que Narizinho e Emília levam a Ignácia de volta para o Sítio do Picapau Amarelo…

Ela não merecia ficar ali sofrendo com aquela garota.

Cristininha só gostava de Ignácia porque ela falava e era diferente das outras bonecas, mas agora que ela é “só uma boneca boba e sem graça”, ela não a quer mais… então, de maneira simbólica (e curiosamente bonita), Emília acaba ficando com a Ignácia para si, e como o psicocaptor indicou que não existem mais pensamentos dentro de Ignácia, diferente do que acontecera com Emília durante esse tempo… ela realmente é apenas uma boneca de pano sem vida feita pela Tia Nastácia nesse momento. Assim, Emília resolve a guardar de “recordação” dentro de sua canastrinha, mas se dispondo a tirá-la de lá se um dia ela quiser “conversar novamente” ou qualquer coisa assim. E, assim, chega ao fim “Olhos de Retrós”, mais uma história do “Sítio do Picapau Amarelo” de 1979.

 

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