Livre (Wild, 2014)
“I’d rather
be a forest than a street”
Protagonizado
por Reese Whiterspoon e dirigido por Jean-Marc Vallée, “Livre” conta a história de Cheryl Strayed e a sua jornada através
da PCT, uma trilha famosa nos Estados Unidos, e que atrai trilheiros de todo o
mundo, que se estende da fronteira do México até a fronteira do Canadá, por
mais de 4.000 quilômetros. Baseado em uma história real (o livro escrito pela
própria Cheryl Strayed, “Wild: Lost to
Found on the Pacific Crest Trail”, serviu de inspiração para o roteiro do
filme), “Livre” é muito uma jornada
dramática e pessoal, porque tem a ver com superação e, mais do que isso, com
estar sozinho e tudo o que você vive, pensa e entende quando o faz: não tem como terminar a Pacific Crest Trail
sem ter visitado todos os lugares de sua mente.
Achei
particularmente interessante a ideia da trilha em si – nunca havia ouvido falar
sobre ela, e certamente não é uma aventura para mim (eu provavelmente não teria
conseguido nem levantar a mochila naquele quarto de hotel no início do filme),
mas, ainda assim, a PCT exerce um fascínio
sobre mim que é difícil de explicar… gostaria, inclusive, que o filme tivesse
explorado mais dos cenários que fazem parte da caminhada, ao mesmo tempo em que
entendo que a ideia de “Livre” não
é, necessariamente, uma promoção da trilha nem nada assim, mas uma viagem de
autodescoberta de Cheryl Strayed, o que o filme entrega muito bem… mas é quase
impossível terminar o filme e não ir pesquisar mais a respeito da Pacific Crest
Trail, de ir em busca de imagens, documentários…
O filme
trabalha, inicialmente, com certo mistério,
porque vemos Cheryl Strayed organizar as coisas para começar a sua jornada, e
nos perguntamos se ela está mesmo preparada
para os TRÊS MESES que ela tem pela frente, até terminar essa trilha – não
parece algo que ela está habituada a fazer… então, ficamos nos perguntando
quais são as motivações de Cheryl para estar ali, naquele momento, talvez
pensando em desistir a cada dois minutos, mas seguindo em frente dolorosamente
a cada passo, como se fosse uma forma de penitência ou de esquecer qualquer
coisa. Então, o filme vai aos poucos nos concedendo background o suficiente para que entendamos o porquê de Cheryl estar ali, e é aí, primordialmente,
que o filme se transforma em um grande drama.
“Livre” equilibra bem as “aventuras”
(?) de Cheryl Strayed na PCT, os perigos e obstáculos que encontra, dentro e
fora de si, com flashbacks não
necessariamente organizados de maneira cronológica, mas que nos permite visitar o interior da mente de Cheryl
durante a caminhada. O fato de as histórias do seu passado não serem
apresentadas cronologicamente é proposital, porque emulam a desorganização com
que os pensamentos da própria Cheryl se manifestam, conforme cada passo, cada perigo
e cada paisagem a remetem a algum ponto de sua história que a levou até aquele
momento: acompanhamos flashbacks de
sua infância, quando a mãe apanhava do pai; de seu casamento, que desandou por
causa de traições contínuas; e da sua vida adulta ao lado da mãe.
E a mãe é o fio condutor do passado de Cheryl Strayed – o ponto
que conecta todas as histórias. E é uma história realmente triste e sofrida.
Bobbi era uma mulher incrível… depois de ter sofrido horrores durante a vida
com um marido bêbado e abusivo, ela era daquelas pessoas que não deixavam os
dias ruins “a matarem”, então ela encontrou motivos para sorrir e para cantar
de manhã, e as cenas dela com os filhos adolescentes/jovens são muito bonitas e
muito fortes, porque expressam o quanto ela era incrível e o quanto eles
dependiam dela e a amavam de todo o coração, mesmo quando eles não pareciam
valorizar o suficiente, mesmo quando eles agiam como se ela não fosse tudo na
vida para eles… Bobbi é um ser de luz que
faz bem às pessoas ao seu redor.
Por isso, é
brutal o fato de ela descobrir uma doença terminal aos 45 anos de idade. Parece
injusto e sufocante, e o peso disso sobre Cheryl pode ser facilmente sentido
através das cenas do passado e do presente – especialmente quando o médico
prevê um tempo de vida de mais ou menos um ano e ela morre dentro de um mês.
Depois disso, Cheryl entra em um luto tão destrutivo que ameaça acabar com ela:
usando heroína e transando com qualquer homem que encontra pela frente, vemos
Cheryl entrar em uma espiral perigoso de destruição do qual não saberíamos se
ela seria capaz de escapar, se não soubéssemos o que acontece depois. A trilha é uma última maneira de ela tentar
se reconectar com a Cheryl que ela era e mais do que isso: a Cheryl que a mãe
queria que ela fosse.
A jornada de
Cheryl pela PCT é dolorosa, reveladora e, por fim, eficiente, porque ela
consegue “encontrar” a Cheryl que ela achou que talvez estivesse perdida para
sempre, e ganhamos algumas cenas lindíssimas durante a caminhada, quando ela
encontra, por exemplo, uma mulher com quem compartilha um pôr-do-sol, um garoto
que canta para ela uma música que a mãe o ensinara, um grupo de amigos fazendo
a trilha juntos e que leram tudo o que ela deixou para trás e a reconhecem… é
uma belíssima jornada revigorante, uma espécie de tapa na cara que pode não servir para qualquer um, mas que serviu
para Cheryl Strayed: ela encontrou o que
procurava. Um belíssimo filme, uma interpretação pungente de Reese
Whiterspoon que, inclusive, a garantiu uma indicação ao Oscar.
Muito bom!
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