Os Dois Morrem no Final (Adam Silvera)
“Olá,
aqui quem fala é a Central da Morte.
Sinto muito em lhe informar que em algum momento
ao longo das próximas 24 horas você terá um encontro
prematuro com a morte. Em nome de toda a equipe da
Central da Morte, sentimos muito a sua perda.
Aproveite este dia ao máximo, está bem?”
Costumo
sentar-me para escrever uma review
assim que eu termino de ler um livro. Ou ao menos para começar a rascunhar umas
ideias, talvez escrever alguns parágrafos, mas não foi assim com “Os Dois Morrem no Final”. Ao terminar
a leitura do livro de Adam Silvera, o fechei em silêncio contemplativo,
emocionalmente devastado, e sabendo
que eu precisava de um tempo para processar aquilo tudo. Lindíssimo,
emocionante a angustiante, o livro suscita questões pertinentes a respeito da
mortalidade e a possibilidade de se viver
uma vida inteira em um dia, se estivermos dispostos a fazer essa escolha
diariamente, e não estivermos distraídos demais com coisas que, no fundo, não
importam, só porque não recebemos uma ligação da Central da Morte e achamos que
“temos todo o tempo do mundo”.
“Os Dois Morrem no Final” chama a
atenção, já de cara, pelo seu título inusitado – e verdadeiro, então nem
adianta começar a leitura esperando alguma solução milagrosa que vá salvar a
vida de Mateo e Rufus, mesmo quando nosso lado mais romântico e inocente
gostaria de vê-los poder despertar no dia seguinte. O título é uma grande
brincadeira, um spoiler do que você vai
encontrar no fim do livro, porque, no fim das contas, não é isso o que importa
de verdade. Não importa que Mateo e Rufus morram no final, mas como eles vivem
até que isso aconteça. Corajoso e diferente, o título surpreendentemente atiça a nossa curiosidade e é uma ótima
maneira de vender um livro com a premissa de “Os Dois Morrem no Final”: e se você soubesse que vai morrer?
No universo
criado por Adam Silvera, todo mundo sabe quando chega o seu Dia Final – mas só quando o seu Dia Final chega de fato.
Ninguém é informado com antecedência sobre a morte, o que eu acho que
construiria uma vida cheia de paranoias, mas entre a meia-noite e as três da
manhã, a Central da Morte faz ligações para todas as pessoas que vão morrer
durante aquele dia. Eles não sabem a hora exata, tampouco como vai acontecer, mas eles são avisados de que têm menos de 24
horas de vida, para usar como bem entenderem… e dois garotos aparentemente
saudáveis, entre 17 e 18 anos, recebem a ligação no mesmo dia: Mateo, um garoto com o pai em coma e que quase não
sai do apartamento; e Rufus, que estava batendo no novo namorado babaca da sua
ex-namorada.
E, em algum
momento, o caminho deles vai se cruzar.
Antes de
entrar em detalhes da história e elogiar a maneira incrível como Adam Silvera
desenha esse universo e todas as suas peculiaridades, que vão de novos termos
que são naturais no cotidiano de uma
sociedade que vive com a Central da Morte fazendo ligações diárias à
ressignificação de termos que também usamos, como o “velório”, ou os
personagens perfeitamente carismáticos, interessantes e complexos que ele
apresenta, e que sentimos que conhecemos a
vida toda, eu preciso divagar um pouco, e falar sobre as reflexões que “Os Dois Morrem no Final” me provocaram
– várias vezes, durante a leitura, escolhi deixar o livro de lado por alguns
minutos e pensar a respeito daqueles
conceitos, daqueles personagens e da minha própria vida.
Parece-me
que o livro é um grande exercício filosófico, em primeiro lugar. A primeira
questão que ele levanta é: o que você
faria se soubesse que hoje é o seu último dia de vida? Acredito que as
pessoas reagiriam de maneiras distintas, como elas reagem no livro… algumas
pessoas fariam de tudo para fazer tudo o que sempre quiseram fazer e nunca
fizeram; outras surtariam e talvez ficassem paralisadas pelo medo e pelas
paranoias; algumas sairiam para se divertir com os amigos pela última vez;
alguns fariam despedidas emocionadas com as pessoas que amam e organizariam
seus próprios velórios, mesmo ainda estando vivos; outras se esconderiam de
tudo e de todos, completamente sozinhos; alguns até tentariam enganar a morte e
se provar uma exceção à regra.
Mas essa é a
pergunta óbvia que “Os Dois Morrem no Final” suscita. Eu
fiquei muito envolvido na concepção de uma sociedade que convive com a Central
da Morte e o consequente aviso quando chega o seu Dia Final, e pensando no
efeito que esse conceito tem sobre as pessoas que não são Terminantes… afinal
de contas, além de “o que você faria se soubesse que hoje é o seu última dia de
vida?”, fica a pergunta: “O que você deixaria
de fazer se tivesse certeza de que hoje não é o seu último dia de
vida?” O quanto não se protela, o quanto não se deixa para depois coisas
importantes, coisas que gostaríamos de fazer, coisas que nos fariam felizes, só
por essa pretensa segurança de que não
vamos morrer? Entende quando eu digo que essa leitura é um grande exercício
filosófico?
Também devo
dizer, no entanto, que minha veia apaixonada por ficção científica não deixa de
perceber elementos que são característicos do gênero – acrescentados
propositalmente ou não. Há um quê de Philip K. Dick na concepção da Central da
Morte, e eu fiquei pensando muito em “Minority
Report” durante alguns trechos da leitura, especialmente nas proposições
dúbias e paradoxais, que me parecem uma grande ironia de Adam Silvera, como
quando descobrimos que Christian, o namorado de Lídia, a melhor amiga de Mateo,
morreu pegando carona com um caminhoneiro Terminante depois de receber a
ligação da Central da Morte… mas ele não teria tentado voltar para casa mais
cedo e, consequentemente, pegado aquela carona se ele não tivesse recebido aquela ligação.
É um grande
paradoxo em vários momentos, se pensarmos a respeito disso… quantas mortes não
podem ser causadas pela Central da
Morte, quando eles avisam as pessoas de que elas vão morrer? Quantas pessoas
que se descobrem Terminantes não acabam se arriscando demais e morrem
justamente por isso? Quantos não morrem pela afobação e urgência causada por
esse conhecimento? Por exemplo, essa passagem: “Alguns meses atrás, um Terminante com uma vida triste infelizmente
encontrou um Último Amigo serial killer, e foi tão trágico ler sobre aquilo”.
Bem, para começo de conversa, o tal “Terminante com uma vida triste” não
estaria no aplicativo Último Amigo se ele não tivesse recebido a ligação da
Central da Morte, certo? É um paradoxo.
Mas tudo
bem… eu adoro paradoxos.
Mateo e
Rufus são os dois protagonistas de “Os
Dois Morrem no Final” – e como o título está correto, são os dois
adolescentes/jovens que recebem a ligação da Central da Morte e morrem no final. O livro é dividido em quatro partes e, na primeira delas, “A
CENTRAL DA MORTE”, podemos conhecer um pouco mais de cada um deles separadamente… conhecemos a vida de
Mateo enquanto ele se sabota e cria uma série de desculpas para não precisar
sair de casa, porque, na verdade, tem medo do que vai encontrar lá fora no seu
Dia Final, e conhecemos Rufus, um garoto aventureiro e completamente diferente
de Mateo, que tem seu velório com os melhores amigos e a ex-namorada estragado
por Peck, o garoto em quem estava batendo quando recebeu a ligação.
Embora o
livro te prenda e te encha de curiosidade desde
as primeiras páginas (a construção de mundo e de personagem de Adam Silvera
é muito boa!), ele tem um grande salto graças ao aplicativo que dá nome à
segunda parte do livro: “O ÚLTIMO AMIGO”. O Último Amigo é um app para ajudar
Terminantes sozinhos a encontrar alguém para fazer-lhes companhia durante o seu
Dia Final, e Mateo resolve testá-lo, já que sua mãe morreu, seu pai está em
coma há algum tempo, e ele não quer contar à sua melhor amiga, Lídia, que está
morrendo – e Mateo sempre foi um pouco fascinado com histórias de Terminantes,
então ele sabe tudo sobre o aplicativo… menos que ele encontraria uma série de
pessoas absurdamente babacas antes de
encontrar um Último Amigo de verdade.
Rufus, por
sua vez, não é o tipo de pessoa que você normalmente veria no Último Amigo… até
porque ele tem vários amigos com quem
poderia passar o seu Dia Final – sabe, se o Peck não tivesse estragado tudo
e chamado a polícia para invadir seu velório! E por que não tentar uma coisa
diferente? Quando Rufus vê uma pichação sobre o Último Amigo, ele resolve
tentar, e é assim que Rufus e Mateo se encontram – com Rufus fazendo o primeiro
contato e comentando que gostou do chapéu do Luigi que o Mateo está usando em
sua foto de perfil. É impressionante como parecemos conhecer esses personagens,
e como os vemos crescer e se transformar na frente dos nossos olhos, enquanto
eles compartilham seu Dia Final um com o outro e com o leitor.
“Os Dois Morrem no Final” é,
inegavelmente, uma leitura melancólica. Ainda assim, há tanta beleza na
vivência daquelas horas que, algumas vezes, quase nos esquecemos do destino que
aguarda Mateo e Rufus, e queremos viver naquele momento e naqueles minutos
seguros para sempre, antes que
qualquer coisa aconteça. É ótimo ver Mateo e Rufus se conhecerem, vê-los
estabelecer uma relação de confiança além do receio e da desconfiança que a
ligação da Central da Morte inevitavelmente causa, e ver como os sentimentos
nascem e se intensificam de maneira tão verdadeira, nos provando que mais do
que o tempo, o que importa é a qualidade e a intensidade com que se conhece
alguém. Mateo e Rufus começam o livro como estranhos… mas, em menos de um dia,
eles deixam de ser isso um para o outro.
Mas falemos
da BELEZA que é esse livro. É, sim, melancólico, é, sim, o último dia de vida
de duas pessoas que amamos depressa, mas eles compartilham cada momento lindo
de aquecer o coração, mesmo quando parece que as coisas vão dar errado, como quando
Mateo ouve uma conversa de Rufus com Aimee no telefone e descobre que os amigos
dele foram para a cadeia e, sem pensar, foge, sentindo que não conhece Rufus e que ele pode estar se colocando em perigo, mas
Rufus o segue de bicicleta, desesperado (“Seu
olhar encontra o meu, e quando percebo que não está furioso, e sim assustado,
tenho certeza absoluta de que ele não será o motivo do meu fim”), porque
não pode perder o Mateo, seu Último Amigo. Senti tanta coisa naquela sequência.
Até perdi o
fôlego.
Um dos
momentos mais perfeitos acontece enquanto Mateo e Rufus estão indo ao cemitério
para visitar a mãe de Mateo, e um apagão no metrô faz com que Mateo tenha um
ataque de pânico, e o Rufus é perfeitamente atencioso e cuidadoso com ele, e o
distrai mandando que ele construa alguma coisa com o lego que comprou para ele,
e o pergunta sobre os lugares aos quais ele gostaria de ir… Mateo nem percebe o
que Rufus está fazendo, mas ele começa a falar e a construir um santuário, e
funciona tão bem que logo ele não está mais tão desesperado quanto antes,
graças a Rufus. Ele consegue até tirar uma soneca, o que Rufus acha tão
encantador que ele precisa tirar uma foto e captar a sua expressão sonhadora, antes de Mateo ter um pesadelo, ao que
Rufus responde segurando seu braço para salvá-lo.
A dinâmica e
a química de Mateo e Rufus funciona perfeitamente – e ambos se salvam, de certa
maneira. Rufus é um amor e, sem grandes planos para o dia, lhe parece incrível
acompanhar Mateo em suas missões, algo que talvez Mateo nem estivesse fazendo
se continuasse sozinho, porque ele estava apavorado frente à perspectiva de
deixar o apartamento, para começo de conversa, e Rufus precisou ir buscá-lo lá,
para que ele pudesse ir visitar o pai no hospital e falar com ele uma última
vez, visitar a melhor amiga e se despedir dela, sem contar a verdade sobre
estar morrendo, e visitar a mãe no cemitério (uma passagem fortíssima com
direito a uma conversa inspirada sobre vida após a morte e destino). Mateo, por
sua vez, ajuda Rufus a “se reencontrar”.
E Rufus está verdadeiramente encantado.
Na terceira
parte do livro, “O COMEÇO”, o protagonismo LGBTQIA+ fica mais evidente do que
nunca, embora a relação de Mateo e Rufus seja construída aos poucos desde o
início do livro. Sempre soubemos que Rufus era bissexual, mas Mateo resolveu
deixar em branco a sua orientação sexual no perfil do Último Amigo – ainda
assim, Rufus não pode deixar de se
perguntar, conforme o dia passa e ele sente que existe uma conexão
impressionante entre eles. E cada detalhe dessa conexão é tão palpável e tão
verdadeira que é delicioso de se ler, porque eles podem ter vivido apenas um
dia (ou menos do que isso) ao lado um do outro, mas a intensidade do Dia Final
faz com que tudo seja muito mais significativo e muito mais real: eles viveram uma vida inteira.
Os dois
compartilham uma conversa interessante sobre amor, crushes e relacionamentos quando visitam uma livraria, e Rufus
quase pergunta algo que “está querendo perguntar há tempos”, mas eles são
distraídos por uma explosão em uma academia (de um Terminante suicida que
explode uma bomba), e por pouco saem com vida… naquele momento, quando veem a
possibilidade de morrer em uma explosão, eles sentem que o aviso da Central da
Morte é real, e que eles não estão preparados. Angustiado, Rufus diz a Mateo
que precisa pedalar, porque é o que ele faz quando está se sentindo mal, e
Mateo não quer subir na sua bicicleta porque acha que ela pode ser a causa da
morte deles, mas Rufus pede que ele confie nele: precisa pedalar, mas não quer se separar dele.
Lindíssima a
cena do Rufus pedalando e o Mateo se libertando.
Acho
delicioso ver o Rufus apaixonado por
Mateo. Rufus é exatamente o tipo de garoto por quem o Mateo se apaixonaria, e
todos esperariam que Mateo se apaixonasse por ele: bonito, aventureiro e com
coragem de fazer tudo o que ele gostaria de fazer, além de ser um parceiro
incrível que lhe dá forças quando ele não tem nenhuma; mas Mateo tem tanta vida
dentro dele, mesmo que seja seu Dia Final e ele seja um garoto reservado, um
pouco medroso e que se arrepende de não ter vivido
de verdade, que o fascínio que ele causa em Rufus é irreversível. Rufus sabe, no fundo, que seus sentimentos
estão sendo correspondidos, mas ele não quer “roubar esse momento de Mateo”… Mateo é quem precisa dar o primeiro passo,
e Rufus vai esperar.
Rufus ama o
nome de Mateo e o repete em voz alta o tempo todo, e odeia o fato de que vai
morrer naquele dia, porque ele só conheceu Mateo agora e isso parece injusto… e
a eminente finitude do que estão vivendo os assombra de forma melancólica. Os
dois prometem não morrer antes do outro,
o que eles não podem garantir, é claro, e jogam um jogo doloroso em outra
viagem de metrô, na qual eles começam a inventar histórias sobre eles,
histórias que nunca viveram e nunca viverão… memórias de um passado que nunca existiu e projeções de um futuro que
nunca vai existir. Eles se divertem, naqueles minutos de brincadeira, mas é
profundamente triste, porque eles são criativos demais e, infelizmente,
percebem que havia tanto que podiam viver juntos.
Um dos
elementos mais legais criados por Adam Silvera para “Os Dois Morrem no Final” é a Arena de Viagens, um lugar que
promete experiências ao redor do mundo, especialmente para Terminantes que não
terão tempo e/ou dinheiro de conhecer aqueles lugares de verdade… e é aqui que
ganhamos uma das minhas sequências favoritas do livro (daquelas de me deixar
realmente surtando de felicidade, de
verdade!). Dessa vez, Rufus e Mateo têm a companhia de Lídia, para quem Mateo
resolve ligar, arrependido de não ter contado a verdade (o que ela já descobriu
graças às suas atitudes mais cedo, a uma hora dessas), e ela corre para a Arena
de Viagens para estar com o seu melhor amigo no seu Dia Final – como deveria
ser, e agora ele sabe.
Quando o
trio resolve explorar uma “Floresta Tropical” e um salto na cachoeira na Arena
de Viagens, curiosamente Mateo é o mais corajoso e decidido dos três,
encorajando os outros a virem com ele – inclusive convencendo Rufus a saltar,
dizendo que acha que isso vai ser bom para ele, já que ele tem certo receio de
água desde que sua família inteira morreu afogada quando o carro deles caiu no
rio. Mateo evita olhar para Rufus quando ele tira a roupa (o que Rufus percebe
a acha particularmente divertido), mas Rufus segura a sua mão e entrelaça os
dedos antes de saltar, e eles saltam assim: juntos. O que é uma simbologia e tanto. É um momento tão bonito quando
Rufus vê a expressão de Mateo e vê como ele está bem e leve, e o abraça.
Que
sequência perfeita!
Para os
leitores, Rufus faz uma pequena confissão que me deixou dando pulinhos de
alegria no meio de tanta tristeza: ele espera que, ao segurar a mão de Mateo
daquele jeito para eles saltarem juntos, Mateo tenha entendido, caso ainda
restasse alguma dúvida… e isso nos conduz à sequência inicial de “O FIM”, a
última parte do livro, quando Rufus, Mateo e Lídia vão ao Cemitério do Clint,
uma boate para Terminantes e acompanhantes, e vemos o Mateo mais solto do que nunca – porque tudo
foi se construindo para chegar àquele momento. Enquanto as horas passavam,
presenciamos enquanto o Mateo retraído do início do livro se tornava aquela
pessoa ainda mais fascinante, solta e incrível que vemos agora. Que canta uma música de 8 minutos na frente
de todo mundo…
Que vive.
Que se joga. Que “vai com tudo”.
A sequência
de Mateo e Rufus cantando no Cemitério do Clint e o que acontece depois, quando
Mateo segura a mão de Rufus e o puxa para fora do palco é lindíssima – e
sabendo que “Os Dois Morrem no Final”
vai ser adaptado para uma série, mal posso esperar para assistir a isso. Assim
como Rufus estava esperando há muito tempo (!), Mateo finalmente toma a iniciativa… ele puxa Rufus para
fora do palco, olha nos seus olhos e o beija pela primeira vez, e é O BEIJO,
repleto de tanto sentimento, de tanta verdade, de tanta espera e expectativa…
Rufus o beija de volta, feliz, com direito a um comentário que colocou um
sorriso ainda maior no meu rosto: “Finalmente!
Por que demorou tanto?” Sentia que Mateo e Rufus não poderiam ser mais fofos do que naquele momento.
Mas eles
sempre podiam.
O romance de
Mateo e Rufus se desenrola de maneira tão natural e apaixonante que torcemos avidamente
por eles, e celebramos cada pequena vitória. E, no meio da pista de dança do
Cemitério do Clint, e durante uma música agitada, Rufus pede uma última dança,
uma dança lenta com Mateo… e os dois dançam com as testas encostadas uma na
outra, em um momento mágico e especial no qual eles falam sobre tudo o que
gostariam de fazer ainda um com o outro. Eles queriam e mereciam mais tempo.
Eles queriam uma história de verdade, com tempo para escrevê-la juntos. Assim,
o livro brinca com sentimentos paradoxais, porque em parte estamos realizados,
felizes e emocionados, mas parte de nós sabe o que ainda precisa acontecer e,
por isso, estamos sofrendo.
E quando
Peck chega com a sua gangue no Cemitério do Clint, eu juro que prendi a
respiração e tive medo. Eu sabia que o Rufus ia morrer naquele dia – mas não
podia ser por causa do idiota do Peck, com um tiro. Felizmente, não é, mas Peck
consegue estragar o dia de Rufus pela segunda vez, porque ele e Mateo
eventualmente precisam escapar sozinhos, deixando Lídia e os Plutões, os amigos
de Rufus, para trás, já que não podem mais se dar ao luxo de colocá-los em
perigo, agora que o dia está acabando… mas também podemos ver Mateo ter coragem
de dar um soco em Peck, algo que o
Mateo do começo do dia jamais faria, e vemos Mateo e Rufus escapar da morte
pela segunda vez no seu Dia Final, o que causa uma sensação estranha de
confiança e invencibilidade.
Ou não.
Os dois saem
do Cemitério do Clint afoitos, sem ar, e querendo sentir que estão em
segurança. É diferente não ter medo de viver, que é o que Rufus incentivou
Mateo a fazer durante todo o dia, e ser imprudente e ficar andando pela rua com
alguém atrás de Rufus disposto a matá-lo em seu Dia Final. Então, Mateo quer ir
para casa, mas quer que Rufus vá com ele e, dessa vez, quer que ele entre e
conheça o lugar que o manteve vivo esse tempo todo… ou, como Rufus gosta de
dizer, o lugar onde Mateo esteve se escondendo dele durante tanto tempo. “Me leva para casa, Mateo”. E, em casa,
os dois compartilham uma série de momentos lindíssimos, com o Rufus tirando
fotos de Mateo com o chapéu do Luigi ou pulando em cima da cama – aquele Mateo
incrível e irreconhecível.
Gosto muito
de como os capítulos, embora predominantemente narrados por Mateo ou Rufus,
também têm a chance de mostrar pontos de vistas de outros personagens,
Terminantes ou não, e Adam Silvera brinca o tempo todo com conexões entre as
histórias, e isso é muito bacana e enriquecedor para a experiência de leitura
de “Os Dois Morrem no Final”. Mateo
e Rufus esbarram na rua com o cara que explode a bomba na academia, por
exemplo. Deirdre, a funcionária do Faça Acontecer, pensa em se matar embora não
tenha recebido a ligação da Central da Morte, mas acaba mudando de ideia ao ver
“dois meninos de bicicleta, vivendo”. É quase lírica a maneira como as
histórias vão se cruzando, e é bonito e assustador pensar no quanto influenciamos na vida de outras pessoas,
mesmo sem perceber.
Mesmo sem
querer.
Conhecemos
Zoe, por exemplo, uma garota cuja primeira mensagem que mandou no Último Amigo
foi para “um garoto chamado Mateo”, mas ele nunca respondeu, e agora eles “se
esbarram”, sem saber, quando ele está saindo do metrô com Rufus e ela está
entrando no mesmo metrô com Gabriella, sua Última Amiga, e são elas que
encontram um livro surpresa que Mateo deixou propositalmente para trás no banco
do metrô… e o diálogo de Zoe com Gabriella nos revela, também, que Gabriella é
uma grafiteira que está espalhando propagandas do aplicativo Último Amigo pela
cidade, e portanto é a responsável pelo logo que Rufus vira no McDonald’s e que
o fizera baixar o aplicativo… ou quando um dos caras da gangue de Peck hesita
em bater em Mateo porque Mateo já o ajudou no passado.
São pequenos
detalhes tão incríveis!
Sabemos,
enquanto acompanhamos Mateo e Rufus em casa, que a hora deles está chegando –
de um jeito ou de outro. E, inevitavelmente, o livro assume um tom ainda mais
melancólico, embora estivéssemos de luto por eles desde o começo. Os conhecer e
saber tudo o que eles estão perdendo,
no entanto, torna tudo mais doloroso, porque eles mereciam viver. É linda a
cena de Mateo cantando “Your Song”
para Rufus (!), e o sorriso de Rufus com lágrimas nos olhos, emocionado ao
dizer que Mateo “estava se escondendo dele”, ou o Mateo dizendo a Rufus que “o
teria amado se eles tivessem mais tempo”, ou que “talvez já o ame”, e o Rufus
retribui dizendo que também o ama. E é verdade: eles se amam. Intensa,
verdadeira, profunda e inegavelmente.
E eu amo os dois.
Então, Mateo
morre antes de Rufus. E é curioso o sentimento que o livro causa. Comprei o
livro sabendo que os dois morriam no
final, li o livro todo sabendo que os
dois morriam no final, mas, ainda assim, parece que nada me preparou de fato para aquele momento. Incrédulo e desejando
que ainda não tivesse acontecido, eu estava destruído, arrasado e sofrendo
quando Mateo morreu, porque tudo parecia tão injusto, tão cruel e tão tolo… em questão de minutos, Mateo se
levanta da cama, de onde ele e Rufus prometeram não sair porque estavam seguros
ali, e morre acendendo o fogão que estava com problema, e Rufus está sozinho.
Impossível não pensar nos “e se”, mas é inevitável: aconteceu, e Mateo não
cumpriu sua promessa de não morrer antes de Rufus.
A dor de
Rufus é palpável e sufocante, como a fumaça preta que toma conta do apartamento
e manda Rufus para o hospital, enquanto Mateo é retirado do local em um saco
preto e Rufus quer que alguém faça alguma
coisa. Rufus é a representação exata do leitor naquele momento: em negação,
com o coração doendo, sofrendo com a dor e a crueldade daquele momento. Parece
tudo tão cru e tão brutal. Mas Rufus entrega momentos de
beleza tristíssimos depois da morte de Mateo, como quando liga para Lídia para
contar, ou quando visita o pai de Mateo, como Mateo queria fazer mais uma vez,
e escreve um recado para ele, para quando ele acordar, falando sobre como Mateo
viveu seu Dia Final, e como ele fotografou tudo e ele pode ver no seu
Instagram, se quiser…
É um ato tão
singelo, tão significativo e tão bonito.
Mas meu
coração estava despedaçado, profundamente arrasado. Agora totalmente entregue à
tristeza, “Os Dois Morrem no Final”
termina com Rufus deixando que a tristeza o consuma, sabendo que a sua morte
também vai chegar em alguns minutos, e permitindo sentir toda a dor de ter
perdido o garoto que lhe trouxe de volta à vida, que permitiu que ele se
encontrasse e que ele amou em seu último dia de vida… o garoto com quem ele poderia ter sido feliz para o resto da vida, mas
com quem foi feliz em uma vida inteira em um dia. Rufus está distraído,
cansado física e emocionalmente, envolvido no vídeo de Mateo cantando “Your Song”, que ele escuta em loop nos seus fones de ouvido, e então
ele morre atravessando a rua sem um braço para puxá-lo para trás.
Sofri. Mas
vivi. Vivi intensamente cada página de “Os
Dois Morrem no Final”. Vivi cada despedida, vivi cada sentimento, vivi cada
descoberta bonita, cada amadurecimento, cada detalhe de uma vida inteira que
Mateo e Rufus resumiram em um único dia porque o destino não permitiu que eles
vivessem além dele. Adam Silvera entrega um conto bonito e doloroso, mas de uma
sensibilidade ímpar e uma sinceridade apaixonante, enquanto nos faz refletir
sobre a mortalidade, mas celebra a vida, porque a verdade é que também vamos morrer no final, e não é
isso o que importa, é? O que importa é o que vamos fazer até chegar lá. Talvez
seja a hora de deixar alguns medos de lado e se aventurar a fazer aquilo que
queremos fazer, aquilo que nos faz feliz.
Aquilo que de fato nos torna vivos.
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