A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty, 2013)

Stop dreaming. Start living.

Mais do que uma aventura mirabolante com toques de comédia e romance, “A Vida Secreta de Walter Mitty” é uma história sobre como podemos ser incríveis sem nos darmos conta disso, de como às vezes não damos valor a nós mesmos e às nossas ações porque estamos o tempo todo sonhando com alguma coisa diferente para nós e para a nossa vida. Walter Mitty trabalha há 16 anos no setor de negativos de uma grande revista que acabou de ser vendida e vai se tornar uma revista online que não parece respeitar todo o legado dela, e é incerto o quanto ele está satisfeito com a própria vida. Escondendo-se atrás do seu trabalho, de uma tela de computador ou de seus longos devaneios que o tiram da realidade, Walter Mitty corre o risco de estar deixando de viver de verdade.

Por exemplo: Walter Mitty está apaixonado por uma companheira de trabalho que foi contratada há pouco tempo, e embora a veja diariamente no escritório, ele não tem coragem de puxar uma conversa com ela, e preferiu abrir um perfil em um site de relacionamento do qual ele sabe que ela também faz parte, mas nem mesmo uma “piscadinha” ele consegue mandar para ela – quando ele finalmente cria coragem de apertar o botão, alguma coisa dá errado, aparentemente porque o seu perfil ainda está muito “vago” e ele precisa completá-lo… não que ele tenha lá muita coisa interessante para acrescentar nos campos das “coisas que ele já fez” ou dos “lugares para onde já foi”, porque Walter Mitty tem noção de que nunca fez nada muito incrível.

A não ser, é claro, quando ele está sonhando acordado – e essa é a principal característica de Walter Mitty: ele constantemente “se desliga” do mundo real ao seu redor e cria uma outra realidade em sua mente na qual ele faz coisas extraordinárias de maneira heroica ou corajosa, que acabam sendo representações tristes, porque simbolizam aquilo que ele gostaria de fazer, mas não tem coragem de fazer de verdade. Pular em um prédio em chamas para resgatar o cachorro de três patas da mulher por quem está apaixonado? Discutir com o novo chefe babaca no elevador e terminar em uma batalha ferrenha por um bonequinho nas ruas de Nova York? Ser o amante latino que viveu um monte de aventuras e pode levar Cheryl a um encontro no fim de semana?

De certo modo, “A Vida Secreta de Walter Mitty” é sobre deixar a sua zona de conforto. Walter Mitty está há anos conformado com a sua vida que julga desinteressante, sonhando com coisas diferentes sem fazê-las, mas quando ele fica responsável pela capa da última edição da revista e perde o negativo que o grande Sean O’Connell, o fotógrafo de anos da Life, enviou para ele, ele precisa encontrar uma maneira de consertar isso… em busca do negativo 25, Walter começa uma investigação elaborada a partir das outras fotos e de pessoas que podem, por ventura, ter tido algum contado com Sean nos últimos dias, e o que começa como uma busca pela cidade de Nova York, acaba o levando, eventualmente, para a Groenlândia e, pouco depois, para as paisagens lindas da Islândia.

E, ali, é como se Walter Mitty se transformasse.

A grande beleza do filme está no fato de que, à sua maneira, Walter Mitty começa a de fato viver coisas muito parecidas com as coisas com as quais apenas sonhava anteriormente. Ele se arrisca correndo e pulando dentro de um helicóptero pilotado por um homem bêbado, por exemplo, pula no mar de um helicóptero em movimento e precisa enfrentar tubarões (!), pedala pela Islândia e escapa de um vulcão que está entrando em erupção, negocia um skate com um garoto e o usa para descer uma paisagem lindíssima… é MUITO BOM ver o Walter Mitty VIVENDO, talvez pela primeira vez. Ele faz coisas inimagináveis que talvez nem mesmo a sua imaginação muito fértil destinada a longos devaneios pudessem conceber, e, dessa vez, tudo é bastante real.

Ficamos orgulhosos de Walter.

Esteticamente, o filme é um verdadeiro ESPETÁCULO. É muito bem-vinda a mudança de cenário quando Walter Mitty se joga no mundo em busca de Sean O’Connell, para conseguir, finalmente, o tal negativo 25. A Islândia é um país de paisagens belíssimas que são muito bem exploradas enquanto Walter explora o lugar, sempre correndo contra o tempo, porque sabe que precisa encontrar o fotógrafo e retornar para casa o mais rápido possível. Também é notável a transformação que isso causa no próprio Walter Mitty, com uma excelente atuação de Ben Stiller, que escapa daquele personagem contido e sonhador do início do filme e se torna uma pessoa aventuresca, determinada e que de fato vive aquilo com que sonha… sua expressão muda totalmente.

Walter perde seu emprego, porque o seu novo chefe é um babaca…

…mas ele volta para casa sendo uma nova pessoa.

Uma das grandes ironias do filme (uma “brincadeira” do roteiro) vem quando Walter finalmente encontra Sean e descobre que sempre esteve com o negativo 25, no fim das contas, porque estava dentro da carteira que Sean lhe enviou de presente, o que quer dizer que Walter Mitty “não precisava” ter feito tudo aquilo para conseguir a foto… mas é bom que ele tenha feito, porque aquela aventura pela Islândia é muito mais do que uma busca pelo negativo 25… é, também, uma jornada de autodescoberta que lhe torna uma pessoa que ele mesmo pode admirar, no fim das contas. Ele sabe, agora, que pode ser a pessoa que sempre sonhou ser, sem que seja apenas nos momentos em que ele “fica fora do ar” e imagina-se em situações que antes não enfrentava.

Por fim, Walter Mitty teve sua vida transformada – e conseguiu tudo aquilo com que sempre sonhou. Ele conseguiu o negativo 25 e, mesmo não trabalhando mais para a Life, ele entrou durante uma reunião para entregar, como prometera, a foto de capa da última edição da revista para o seu ex-novo chefe babaca… afinal de contas, ele trabalhara naquela empresa durante 16 anos, sempre responsável pelos negativos, e ele precisava cumprir essa última missão, ele sentia que era a sua responsabilidade. Agora, com a missão cumprida, ele deixa o escritório levando as suas coisas e podendo conversar com Cheryl, e é muito bonito ver como o filme explorou esse “romance”, mostrando que Walter causou fascínio e interesse em Cheryl muito antes de sua “transformação completa”.

O mais bonito do filme, a meu ver, é a conclusão bonita e sensível que ele ganha, quando Walter e Cheryl estão caminhando pela rua no dia seguinte à publicação da última revista, e param em uma banca para finalmente conhecer a famosa foto 25 – e é uma foto do próprio Walter Mitty, em preto e branco, sentado na frente do prédio da revista, com negativos da mão, em uma última edição especial que é dedicada a todas as pessoas que fizeram essa revista acontecer durante todo esse tempo… é uma homenagem lindíssima e emocionante, que parece dizer a Walter que ele sempre foi uma pessoa incrível, mesmo fora de seus devaneios, embora nunca tenha olhado para si dessa maneira e, portanto, nunca tenha se dado esse valor. E quantas vezes somos como o Walter em nossas vidas?

Quantas vezes nos prendemos nos “e se” e esquecemos de ver tudo o que de fato somos?

 

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