Doctor Who (2024) 1x05 – Dot and Bubble

Bolha.

Antes de qualquer outra coisa, preciso dizer duas coisas: 1) eu terminei o episódio sentindo uma raiva tão grande que eu passei alguns minutos em silêncio olhando para a tela antes de fazer qualquer outra coisa; e 2) Ncuti Gatwa entregou tanta verdade nessa cena final que ele vai deixar uma marca em todo mundo que o assistir aqui. “Dot and Bubble”, o quinto episódio da nova temporada de “Doctor Who”, dividiu opiniões na internet. Eu não acho que tenha sido um episódio perfeito, mas eu acho, sim, que foi um episódio muito bom! Tem uma premissa muito boa, com um quê de “Black Mirror”, que é explorada ao longo do episódio até culminar em uma crítica social ainda maior que arrancou reações da audiência e tem gerado discussões desde o seu lançamento.

O episódio nos apresenta a Finetime, um planeta cujo conceito parece saído diretamente de um episódio de “Black Mirror”: conectadas o tempo inteiro, as pessoas vivem literalmente dentro de uma bolha. Não há nada de sutileza no conceito, é verdade, porque as pessoas não querem interagir com quem ameace forçá-los a ver uma realidade além de sua bolha, que é o mundo inteiro para eles, e são incapazes não apenas de enxergar além da bolha, como também de fazer coisas simples como andar com suas próprias pernas ou tomar suas próprias decisões. Ainda que seja bastante explícito e direto, eu acho que o conceito funciona como crítica à realidade, e é um pouco assustador pensar que basta olhar em volta para vermos que não estamos tão longe disso.

Foi curioso acompanhar os moradores de Finetime através de Lindy, e como toda a primeira parte do episódio propositalmente nos causa desconforto e incômodo. São todos muito chatos, nós só queremos que eles calem a boca – ou, sei lá, que eles sejam devorados por lesmas gigantes. Conforme Ruby e o Doctor conseguem conversar com Lindy para tentar salvá-la das lesmas que estão devorando pessoas pela cidade, percebemos algumas coisas a respeito de Finetime… notamos, por exemplo, que não existe nenhuma pessoa negra nas telas da bolha de Lindy; e descobrimos, porque ela mesma fala sobre isso, que todos os moradores de Finetime são jovens brancos e ricos entre 17 e 27 anos. Quer dizer, não tinha realmente como torcer por eles.

Confesso que essa é uma experiência nova em “Doctor Who”: o fato de não torcermos pelas pessoas que o Doctor está tentando salvar. Lindy o trata constantemente com distância e grosseria, mas parece muito animada em receber a ajuda do cantor Ricky September, que é jovem, branco e rico como ela. Não pudemos conhecer tanto a respeito de Ricky, mas tenho a impressão de que ele não era tão ruim quanto os demais moradores de Finetime… e o fato de a Ruby e o Doctor o acharem bonito e inteligente meio que me faz acreditar mais nisso. Para salvar a própria vida, Lindy entrega Ricky de mão beijada para uma lesma gigante, e ela não o faz como se essa fosse sua única esperança nem nada assim… ela faz com o egoísmo tradicional de uma jovem herdeira branca.

Toda a sequência final é angustiante de se assistir. Depois de Lindy conseguir escapar das lesmas e chegar a um rio subterrâneo onde ela encontra outros moradores desaparecidos de Finetime, o Doctor tenta falar com eles sobre como ele pode levá-los na TARDIS e encontrar um lugar seguro onde eles possam viver, mas eles se recusam a acompanhar o Doctor a qualquer lugar, em uma demonstração asquerosa e enervante de racismo. As coisas que Lindy e os demais dizem ao Doctor como se ele fosse menos do que eles causam mais do que desconforto: causam revolta, fúria, nojo. É o desprezo deles está nas palavras, na postura, na voz, na condescendência – em tudo. É com uma expressão de superioridade que Lindy vai embora rumo ao desconhecido porque prefere isso a aceitar a ajuda do Doctor.

Gosto de pensar que aquele barco é devorado por monstros ou qualquer coisa assim.

Ao mesmo tempo, gente branca e rica é o tipo de gente que comete atrocidades e sai impune todo dia.

A abordagem do racismo é o que mais levantou discussões desde o lançamento do episódio, e embora não seja o meu lugar de fala, existem coisas que eu quero comentar. Além de conjecturas como a de que Lindy e os demais morrerão na Mata Densa ou antes, e que isso só vai acontecer porque eles são racistas (se não fossem, teriam aceitado a ajuda do Doctor), eu acho que o episódio traz uma possível reação… eu já vi muitos depoimentos de pessoas que sofrem qualquer tipo de preconceito e não sabem como reagir na hora. O Doctor já lidou com pessoas racistas, é verdade, o 12º saiu no soco para defender a Bill (!), mas essa é a primeira encarnação do Doctor que é, de fato, um homem negro. Ele está acostumado a ajudar e salvar vidas… e agora não pôde porque renegaram sua ajuda pela cor da sua pele.

Talvez fosse legal ver o Doctor dizer algumas coisas para aquelas pessoas, ver a Ruby dar um soco na cara da Lindy ou qualquer coisa assim, não nego… mas a incapacidade de reagir do Doctor enquanto assiste àquelas pessoas irem embora transmite muita coisa: quanta coisa foi dita através da sua postura, da sua “risada”, do seu grito e, por fim, de suas lágrimas? Olha o poder dessa cena, autenticado pela atuação brilhante de Ncuti Gatwa, que permitiu que as pessoas se colocassem ali, no seu lugar! É muito forte, muito sentimental, muito doloroso. É real. É cru. Sinto que essa sequência final transcende a série em si e é capaz de levantar discussões que vão muito além de “Doctor Who” e da mitologia da série… sinto que está fazendo com que as pessoas pensem e falem sobre racismo.

E, por isso, acho que o episódio cumpriu seu dever!

  

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