Mary Shelley (2017)
“I wonder,
how many souls will sympathize with your creature's torments?”
Protagonizado
por Elle Fanning, “Mary Shelley”
conta a história por trás da mente brilhante que nos trouxe “Frankenstein”, um conto supostamente de
terror com seus toques de ficção
científica, filosofia e muita humanidade – “Frankenstein”
é um sucesso tremendo até os dias de hoje e continua fascinando leitores mais
de dois séculos depois de sua publicação pela maneira intensa como fala com o seu público: como as pessoas conseguem se
enxergar na história de abandono, negligência e solidão que transformam a
criatura galvinizada por Victor Frankenstein no “monstro” conhecido. “Mary Shelley” nos apresenta Mary Godwin
no início do Século XIX, seu romance com o poeta Percy Bysshe Shelley, e os
eventos de sua vida que, de uma maneira ou de outra, serviram de inspiração
para que ela escrevesse “Frankenstein or
the Modern Prometheus”.
É um filme
poderoso, mas sinto que, às vezes, não o suficiente para que entendamos os
detalhes da vida cheia de sofrimento e “escândalos” da futura Mary Shelley –
muita coisa passa depressa, e é notável que existiam detalhes cortados que nos
guiariam melhor por sua vida. O seu romance com Percy Shelley é escolhido como
o fio condutor da narrativa, o que faz sentido, tendo em vista tudo o que ela
sofreu por amá-lo, sem deixar de amá-lo, e como isso se reflete na figura
narcisista de Victor Frankenstein, e na maneira como ele abandona uma criatura inocente e de coração puro, por não entendê-la.
Mary Shelley conhece o poeta em um evento na Escócia, os dois se interessam um
pelo outro e, mais tarde, quando ela volta para casa em Londres, ele procura a
família de Mary, oficialmente para ser acolhido como um aprendiz de William
Godwin, pai de Mary.
Aqui, o
romance dos dois floresce de maneira intensa e apaixonada, e tem seu primeiro
empecilho quando Mary está muito
envolvida, lendo um poema que ele escreveu para ela, e é parada na rua pela suposta esposa de Percy Shelley e sua
filha – Percy se casou muito jovem e é um casamento que não representa mais
o que ele sente, e ele não quer “continuar atado a uma pessoa que não ama mais”
ou qualquer coisa assim… Percy acredita em um amor livre, que se transforma o
tempo todo, e Mary Godwin acaba aceitando isso, sem perceber que Percy
entendera que ela acreditava na mesma
coisa… enquanto Mary espera uma vida monogâmica quando eles fogem de casa,
levando a irmã mais nova de Mary com eles, Percy pretende continuar se
interessando e se envolvendo com quem julgar atraente, esperando que Mary faça
o mesmo…
Foi difícil
acompanhar o sofrimento de Mary ao perceber que Percy Shelley não atendia às
suas expectativas, e o filme assume um tom dramático com uma atuação perfeita
de Elle Fanning, que percebe olhares, mas se cala. Um dos eventos mais traumáticos da vida de Mary é, sem
sombra de dúvidas, a perda de sua primeira filha – Mary e Percy têm uma filha
que acaba morrendo ainda bebê, de certa maneira por causa da irresponsabilidade
de Percy, característica de seu personagem, porque o estado de saúde da
criança, já debilitado, se agrava quando Percy, Mary e Claire precisam fugir às
pressas no meio da noite e embaixo de chuva de credores que estão procurando
por Shelley. Todo o sofrimento de Mary pela criança morta e todo o luto que ela
parece não poder viver em paz, porque eles estão sempre correndo, e Percy
espera que ela siga adiante.
Claire
recebe um convite de Lord Byron para que o trio vá para Genebra, e aqui temos
cenas importantíssimas para a história de Mary Shelley – aqui, presenciamos uma
vida boêmia no início do Século XIX, e é uma das sequências mais fascinantes do
filme, mesmo com o seu tom de melancolia que não o abandona… e eu adoro
perceber o quanto essa parte da vida de Mary Shelley teve influência na sua
escrita: afinal de contas, ela tinha acabado de perder uma filha, e estava se
interessando pela ciência e pelo galvinismo, e a teoria de que, talvez, seres
pudessem ser trazidos de volta à vida graças a essas correntes elétricas… ela
se aproxima, também, de John William Polidori, um médico que a incentiva em seu
interesse pela ciência, que lhe traz novos artigos científicos… e é muito bonito ver o cenário de
“Frankenstein” se formando na frente dos nossos olhos.
Aquela noite
de chuva, por exemplo!
O filme tem
várias nuances, muitas pequenas tramas que compõem diferentes trechos da vida
de Mary Godwin, mas o que me fascina mesmo é a construção para a escrita de “Frankenstein”, e eu vibrei naquela cena da famosa noite em
que o pontapé inicial para a escrita do livro foi dado. Entediados por causa de
semanas de chuva em Genebra, Mary Godwin, John Polidori, Percy Shelley e Lord
Byron fazem uma espécie de aposta, ou um desafio: cada um deles escreverá uma história de fantasma, e o vencedor será
quem escrever a melhor delas… é do incentivo dessa noite que nasce “O Vampiro”, de Polidori, que foi
inicialmente publicado como se pertencesse a Lord Byron, e “Frankenstein”, de Mary Shelley, que é inicialmente publicado sem a
autoria. Mas Mary ainda não escreve
naquela noite dramática cheia de novos eventos, como a morte da esposa de Percy
e a desilusão de Claire.
Foi
fascinante ver Mary enfim sentar-se com o caderno aberto à sua frente,
escrevendo o manuscrito que se tornaria uma das melhores e mais famosas obras
de ficção do mundo, e perceber, enquanto ela escreve, o quanto existe dela naquelas palavras – um livro fascinante que
chamou a atenção de quem o leu, mas que não foi aprovado para publicação com
facilidade, principalmente por causa de uma série de preconceitos… as editoras
o chamavam de “grotesco”, diziam que “não era um assunto apropriado para
mulheres jovens”, e em uma das cenas mais revoltantes dessa reta final do
filme, um editor sugere que o livro foi, na verdade, escrito por Percy e não
por Mary, e sentimos um nojo insuportável da cara daquele homem… no fim, Mary
consegue publicar o seu livro em 1818, mas de forma anônima e com um prefácio
escrito por Percy Shelley.
Toda a
história de Mary Shelley é incrível, e causa angústia em momentos como quando
ela é negligenciada ou quando ela é esmagada pelo machismo da época que julga
mais o seu nome e o seu gênero do que o seu trabalho, mas ela consegue, com a
ajuda de um pai orgulhoso, no fim das contas, fazer com que a segunda edição de
“Frankenstein”, publicada alguns anos
depois, em 1823, tenha finalmente o seu nome como autora. Achei muito emocionante aquela breve cena do pai colocando
“Frankenstein by Mary Shelley” em destaque na vitrine da livraria da família
quando ela passa na rua com seu filho. E, inusitadamente, Mary reata o seu
romance com Percy porque, no fim das contas, os dois se amavam, de um jeito ou
de outro… termino o filme apaixonado por Mary e querendo correr para assistir a
alguma adaptação de “Frankenstein”.
Inclusive,
recomendo a de 1994!
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