O Homem Bicentenário (Bicentennial Man, 1999)

“É isso o que nos torna diferentes… nossas imperfeições”

Eu tenho uma relação afetiva muito grande com esse filme. Eu tinha apenas 7 anos quando “O Homem Bicentenário” foi lançado, mas me lembro de tê-lo visto várias vezes na “Sessão da Tarde”, e sempre foi um filme, assim como “A.I. Inteligência Artificial”, que mexeu muito comigo! Reassistir a ele agora, adulto, foi uma experiência fascinante, e eu sigo o amando como eu o amava desde sempre: profundamente sentimental, o filme consegue ser divertido, mesmo com seu tom constante de melancolia, em um equilíbrio perfeito que é emocionante, estranhamente engraçado e marcante. E fala, primordialmente, sobre a humanidade – sobre as relações entre as pessoas, sobre o tratamento ao diferente, sobre a busca por pertencimento e aceitação…

Sobre amor.

Com direção de Chris Columbus, “O Homem Bicentenário” é baseado no conto homônimo de Isaac Asimov, publicado em 1976, vencedor de um Prêmio Hugo como melhor conto de ficção científica no mesmo ano. O conto também deu origem a um romance chamado “O Homem Positrônico”, co-escrito por Isaac Asimov e Robert Silverberg, que foi publicado em 1992. A história faz parte do universo da “Fundação” criado por Isaac Asimov, um dos pais da ficção científica, e isso fica evidente nos primeiros minutos de filme, quando o Robô NDR enviado para a Família Martin faz uma breve apresentação introduzindo as Três Leis da Robótica, famosas entre todos os que, como eu, são apaixonados pelo gênero de ficção científica e pelas obras de Isaac Asimov.

“O Homem Bicentenário” tem aquela característica que eu adoro na ficção científica que é a capacidade de utilizar alegorias – uma sociedade futurística e um robô senciente – para tratar de assuntos que pertencem à nossa realidade. Andrew, como o robô é “nomeado”, apresenta pequenos sinais de que ele é diferente do que eles esperavam desde os seus primeiros dias na casa: ele gosta de aprender e ele se importa com seus “senhores”, como quando ele quebra sem querer um brinquedo de Amanda, a “Menininha”, e faz um novo de presente para ela… Andrew tem criatividade, interesse e gosta de criar coisas, assim como gosta de ouvir música… coisas que se esperariam apenas de um humano. Então, Andrew se torna parte da família, ganha seu sobrenome, e evolui.

Robin Williams, que também deu vida a outros personagens que marcaram nossas vidas – o Alan em “Jumanji”, o Gênio em “Aladim”, Jack Powell em “Jack”, o Professor Philip Brainard em “Flubber” e John Keating em “Sociedade dos Poetas Mortos”, só para citar alguns –, está maravilhoso como Andrew Martin, o robô NDR que cada vez mais parece um humano. Ele nos conquista com um carisma gigantesco e um personagem cuja inocência guia seus passos conforme ele aprende. Richard se torna uma espécie de mentor, enquanto a Menininha se torna a sua primeira e melhor amiga, e é essa relação de Andrew com os Martin que intensifica a “anomalia” apresentada por Andrew desde o começo: sua capacidade de sentir, de se importar, de aprender…

A jornada de Andrew Martin é curiosíssima. Como Richard dissera certa vez, para ele “o tempo é infinito”, o que quer dizer que ele segue ali, enquanto as pessoas que ele conhece crescem, envelhecem e partem… um processo que se tornará cada vez mais recorrente e cada vez mais doloroso e solitário, porque ele está destinado a ver todos com quem se importa partirem. A história de Andrew dança entre a tentativa de se sentir aceito pela humanidade como um deles e a busca por pertencimento quando ele passa aproximadamente 20 anos andando o mundo em busca de outros como ele – apenas para entender, no fim das contas, que ele é único. E ele se torna cada vez mais único, por dentro e por fora. Gosto de como o filme faz sua transição à versão humana de Robin Williams…

Apenas uma representação externa da humanidade crescente no interior de Andrew.

Certamente, as cenas mais tristes de “O Homem Bicentenário” ficam para duas separações. A primeira delas na morte de Richard Martin, que o chama depois de eles terem passado anos distantes porque “Andrew pediu a sua liberdade”, e Richard reconhece a sua singularidade e o seu companheirismo durante todos os anos em que ele esteve na família. Depois, é claro, a inevitável morte da Menininha, que sabíamos que renderia um dos momentos mais lindos do filme, porque ela era talvez a pessoa que ele mais amava… duas coisas me marcam demais nessa cena: o fato de a “Menininha” estar segurando o cavalo de madeira que Andrew fizera para ela quando ela ainda era criança; e o comentário de Andrew a Portia sobre como é injusto que ela possa chorar e ele não.

Era tudo o que ele queria fazer.

Portia Charney é a neta da “Menininha”, também interpretada por Embeth Davidtz, e é a mulher por quem Andrew Martin se apaixona – e com quem fica até o fim da sua vida. A história dos dois começa em uma cena divertidíssima na qual Andrew briga com ela e diz que “ela não tem o direito de se parecer com a Menininha”, e então eles se tornam grandes amigos, até que ele reconheça estar apaixonado e ela fale da impossibilidade de investir em um relacionamento com um robô. E, de certa maneira, Portia o ajuda a se tornar ainda mais humano, e não por causa da transição gradual do mecânico ao orgânico que Andrew empreende com a ajuda de Rupert Burns e Galatea, mas porque ela o ensina a ser imperfeito… a se permitir tomar decisões erradas, cometer erros, agir por impulso.

Como quando ele a impede de se casar e os dois se beijam apaixonadamente.

Andrew vive um casamento feliz com Portia, embora não reconhecido legalmente porque ele não é oficialmente “considerado humano” – e ele tenta conseguir que o Congresso Mundial o reconheça. Ele tem uma fala inteligente sobre como tantas pessoas são “em parte máquina”, como o Presidente do Congresso Mundial que tem um rim artificial que, por sinal, foi inventado por Andrew, e ele espera ser reconhecido ao menos como “em parte humano”, mas o Congresso nega seu pedido, dizendo que ele é imortal… eles podem até aceitar um robô que seja imortal, mas não um humano que viverá para sempre. E esse é o último passo na transição de Andrew para se tornar verdadeiramente um humano: ele precisa enfrentar a finitude da vida e a incerteza da morte.

E o faz.

De todo modo, Portia não pode viver para sempre… e não o quer. Ela diz isso para Andrew ao se aproximar de seu 75º aniversário, e Andrew tampouco quer ou pode viver sem ela. Então, ele vai até Rupert uma última vez para colocar sangue em suas veias, aceitando o fato de que ele vai envelhecer e seu corpo vai se deteriorar, até o dia de sua morte – seja ela quando for, e ele não saberá quando será… assim como qualquer humano. Muito mais velho, anos depois, Andrew Martin retorna ao Congresso Mundial, ainda querendo a aprovação deles, ainda querendo ser oficialmente reconhecido como o ser humano que ele se tornou, e a Presidente naquele momento diz que eles precisam de tempo para considerar e para chegar a uma decisão…

Andrew Martin morre em 2205, quando estava prestes a completar 200 anos de vida, segurando com carinho a mão de Portia, enquanto Galatea coloca para eles assistirem a transmissão do Congresso Mundial com a decisão… Andrew morre antes de ouvir a Presidente reconhecê-lo oficialmente como ser humano, mas com uma expressão serena no rosto, porque ele já conseguiu tudo o que queria – e viveu intensamente durante todo esse tempo. Portia fica ao seu lado, esperando a morte que sabe que está por vir e a aceitando quando pede que seus aparelhos sejam desligados, dizendo a Andrew que “o verá em breve”. É um final melancólico, mas belo… sua morte, mais do que a decisão do Congresso, oficializa e eterniza a sua condição de ser humano.

Filme lindíssimo!!!

 

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