Sítio do Picapau Amarelo (2007) – A Nova Reforma da Natureza: Parte 1

Faz-de-Conta!

Publicado em 1941, “A Reforma da Natureza” é uma das histórias mais memoráveis do universo do “Sítio do Picapau Amarelo”, e recebe sua adaptação como a quarta história da temporada de 2007 do programa. “A Nova Reforma da Natureza” segue bastante os passos originais do livro (se “O Adorável Abominável” aproveitava elementos de “Caçadas de Pedrinho” em uma releitura interessante, “A Nova Reforma da Natureza” parece uma adaptação mais direta em vários momentos, embora também apresente novidades, como a árvore do dinheiro): no livro, Dona Benta e os netos são para a Conferência da Paz, enquanto aqui, o Visconde de Sabugosa recebe um convite para o I Fórum do Mundo Perfeito, mas Emília resolve ficar para trás para fazer sua reforma da natureza.

Acho que tudo nasce, de certa maneira, no fascínio que a história de Macunaíma e a Árvore do Mundo causa na bonequinha, que comenta sobre como as ideias do Macunaíma “eram bobocas”, e no seu próprio ego sempre infladíssimo, que acredita que ela poderia arrumar tudo o que está “errado” na natureza e transformar o mundo num lugar melhor. Ela nem imagina que a oportunidade perfeita vai aparecer quando o Visconde inventa a Pílula Prato Feito Sabugosa, como um meio de acabar com a fome no mundo, e o seu colega cientista, Frank Einstein, o convida para apresentar sua invenção no Fórum do Mundo Perfeito. Inicialmente, Emília fica empolgadíssima e quer ir junto, para “apresentar suas ideias para a reforma da natureza”, mas eventualmente desiste…

Ela pode ficar e fazer sua reforma ela mesma, ali.

Visconde não pode perder essa oportunidade, é claro, e Pedrinho e Narizinho estão super empolgados em ir para o Fórum, então Dona Benta decide que ela também vai, porque eles não podem ir desacompanhados, e é uma boa oportunidade para discutir os problemas da humanidade e maneiras de cuidar do meio ambiente – “Meio ambiente? Por que não cuida logo do ambiente inteiro? Que preguiça!”. O mais inusitado é que todo mundo está se arrumando para o tal Fórum enquanto Emília segue sentada no sofá, lendo um livro, dizendo que “não arreda o pé dali”, e ninguém desconfia desse comportamento completamente atípico da bonequinha? Quer dizer, é confiar demais deixar a Emília sozinha no Sítio do Picapau Amarelo, né?

Mas eles deixam.

Com o Visconde morrendo de medo de entrar em um avião (e até perdendo a fala por isso), é Emília quem resolve o “problema”, mandando eles irem para o Fórum usando o pó de pirlimpimpim, e então a turminha do Sítio – Visconde, Pedrinho, Narizinho, Dona Benta e Tia Nastácia – parte para o Fórum do Mundo Perfeito, onde eles estão prestes a descobrir que o tal colega do Visconde que o convidou, o Dr. Frank Einstein, não é lá uma boa pessoa… ele está reunindo genes das pessoas mais brilhantes do fórum para colocar em um boneco criado por ele, na esperança de “dar vida à criatura perfeita”… bem, o nome dele deveria ter sido uma dica, não? No começo, no entanto, Narizinho é a única que realmente desconfia do tal cientista Frank Einstein.

Fazendo o papel de desconfiada da Emília.

O Visconde, por sua vez, passa por alguns maus-bocados no Fórum do Mundo Perfeito, porque os demais cientistas não estão muito dispostos a levá-lo a sério porque ele é um sabugo de milho, e foi bem triste ver todo o preconceito que quase os privou de notar toda a genialidade do grande Visconde de Sabugosa – felizmente, Dona Benta também está ali, e tem palavras sábias e um discurso ferrenho que deixa todo mundo calado e pronto para ouvir o que o Visconde tem a dizer… afinal de contas, o Visconde é incrível! Depois de a Pílula Prato Feito Sabugosa não fazer o sucesso esperado, no entanto, Visconde acaba aceitando o convite de um cientista escocês para ajudar nas pesquisas que estão sendo feitas para acabar com a fome… e, assim, ele sai de cena.

No Sítio do Picapau Amarelo, Emília está se divertindo fazendo suas reformas, e começa reformando as laranjas, porque ela diz que colher a laranja é fácil, o problema é descascar – “Minha primeiríssima reforma na natureza. […] Faz-de-Conta que as laranjas já nascem sem casca” –, o Rabicó, para que ele coma menos – “Faz-de-Conta que o Rabicó tem uma gaiola no focinho!” – e os mosquitos que “só sabem cantar uma mesma música – “Faz-de-Conta que os zumbidos dos mosquitos é uma sinfonia de violinos”. E, eventualmente, Emília ganha companhia… a inesperada companhia de Minerva, fantasiada como a Boneca Bárbara, que quer aproveitar que o Sítio está quase vazio para invadir o laboratório do Visconde e roubar alguma invenção.

Mas, no fim, ela descobre que o Faz-de-Conta da Emília é muito mais poderoso.

Enganar a Emília, às vezes, é fácil demais… afinal de contas, ela tem um ego que é o seu ponto fraco. Bárbara chega ao Sítio do Picapau Amarelo dizendo que é uma boneca de fama internacional e que está ali para convidá-la a fazer um filme com ela em Hollywood… e a Emília cai direitinho. Inicialmente, ela fica um pouco brava por existir outra boneca que anda e fala como ela (eu amo o fato de a Bárbara ser uma dessas “bonecas de plástico” com frases prontas, então ela repete coisas como “Eu quero ser sua amiga!” e “Eu te amo!”, exatamente como a bonecas de camelô), e pergunta se o Dr. Caramujo “andou espalhando suas pílulas por aí”, mas Bárbara explica que ela é assim por causa de sua alta tecnologia via satélite ou qualquer coisa assim.

Então, Bárbara fala sobre os filmes que supostamente estrelou em Hollywood (“As bárbaras aventuras de Bárbara”), e conquista a Emília ao convidá-la para estrelar um filme com ela… o mais legal é que, por mais que seja fácil enganar a Emília, ela também é cansativa e vai dar uma trabalheira para a Bárbara! Ela começa a falar a respeito de contrato, por exemplo, e de como ele precisa ser lido por Narizinho antes de ser assinado, e como a Narizinho não está, Bárbara vai ter que esperar e, enquanto isso, elas podem “fazer um laboratório” e brincar, enquanto Emília fala sem parar sobre todas as ideias que tem para o seu filme… eu dei uma gargalhada sincera com a Bárbara/Minerva tentando pular a cerca do Sítio do Picapau Amarelo para fugir dali.

“Eu quero sair daqui!”

Eventualmente, Emília leva Bárbara para ajudar em sua reforma da natureza, e é então que os olhos da boneca de plástico brilham… com todo aquele poder que a Emília tem, ela pergunta por que Emília não “faz-de-conta uma montanha de ouro, de esmeraldas, de diamantes”, e Emília explica que a reforma tem que ser útil – e pra que serve uma montanha de ouro? Emília segue colocando suas próprias ideias em prática (“Faz-de-Conta que a Vaca Mocha dá leite de vários sabores”, por exemplo, ou “Faz-de-Conta que as jabuticabas e as abóboras trocaram de tamanho”), o que Bárbara acha que “é um desperdício de poder”, até que convence a Emília a fazer uma árvore de dinheiro, dizendo que isso vai mudar o mundo de verdade e torná-la “uma estrela”. Bem, mudar o mundo era o que a Emília queria desde o começo, certo? E ela se convence de que a principal causa da fome no mundo é a miséria, e se o dinheiro desse em árvore, então não haveria miséria no mundo… por isso, ela escolhe atender ao pedido de Bárbara.

“Faz-de-Conta que existe uma Árvore do Dinheiro”

Toda a sequência de apresentação da ÁRVORE DO DINHEIRO é uma delícia de se acompanhar, porque temos a Emília profundamente confiante, e a Bárbara maldosamente animada, dando pulinhos de felicidade (“Eu te amo. Quero ser sua amiga. Quer brincar comigo?”), até pegar uma nota da Árvore do Dinheiro e perceber que é uma nota de 10 MARQUESAIS, com a foto da Emília… uma gracinha, por sinal, mas não atende ao desejo de Bárbara no fim das contas, e ela fica protestando inconformada, dizendo que “uma árvore de dinheiro de mentira até ela faz”. Sempre refém de seu ego, Emília não deixa que Bárbara duvide de sua capacidade de fazer uma Árvore do Dinheiro de verdade, então ela usa o seu Faz-de-Conta novamente, e Bárbara consegue o que queria…

Ela está rica.

 

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