REVIEW “Querido Evan Hansen” + Fotos com o elenco (São Paulo, 2024)
“Vão te encontrar!”
Emocionante,
sincero e necessário, “Querido Evan
Hansen” é uma daquelas experiências que te arrebatam e te fazem deixar o
teatro transformado… com as melodias
ainda ecoando dentro de sua cabeça e uma série de temas importantes que
habitarão sua mente por toda a semana seguinte, no mínimo, eu sinto que “Querido Evan Hansen” é um musical
realmente imponente. O musical, com livro, música e letras de Justin Paul, Benj
Pasek e Steven Levenson, teve suas primeiras leituras em 2014 e chegou ao
circuito Off-Broadway e, eventualmente, à Broadway em 2016. Em 2024, então, o
musical ganha sua versão brasileira com versões espetaculares, um visual
impressionante e um elenco entregue e talentoso que traz essa história à vida
da melhor maneira possível.
Gosto muito
da ideia, apresentada em cartazes, de que esse é “o musical dessa geração para
todas as gerações”. “Querido Evan Hansen”
é um musical jovem e atual que traz à tona temas sobre os quais precisamos conversar, e que muitas vezes
são “jogados para debaixo do tapete”. Temas como a ansiedade, a depressão e o
suicídio. Corajosa, a premissa do musical traz como protagonista Evan Hansen,
um adolescente cheio de problemas que vê a sua vida virada de pernas para o ar
quando um colega de sua escola tira a própria vida e os pais dele, ao encontrar
em seu bolso uma carta que eles acreditam ter sido escrita por ele e endereçada
a Evan Hansen, pensam que eles foram amigos. Evan se vê em uma situação na qual
ele se enrola cada vez mais…
Até que não possa mais escapar dela.
“Querido Evan Hansen” é marcante, e tudo
contribui para a construção da força desse musical: o texto inteligente
amarrado com maestria e responsabilidade; as músicas que intensificam os temas
trazidos e os sentimentos evocados; e personagens complexos, humanos e,
portanto, imperfeitos, que compõem essa trama. Personagens cheios de marcas e
individualmente riquíssimos, que se tornam ainda maiores nas relações com as
pessoas ao seu redor. E é curiosamente uma experiência tão vasta que você é
capaz de estar gargalhando em um momento, mas estar chorando segundos depois, e
é muito bom quando uma obra consegue fazer isso com você… também é muito bom
quando uma obra não “termina” durante os agradecimentos.
“Quando eu olho da janela e vejo o mundo
Tento procurar o que tem lá no fundo
Grito, grito, grito e ninguém vê”
A versão
brasileira do musical é, com perdão ao trocadilho, um espetáculo: as traduções
das músicas, toda a parte técnica e o elenco trabalham em conjunto para
entregar a melhor experiência que “Querido
Evan Hansen” tem a oferecer. A versão e a direção geral ficam a cargo de
Tadeu Aguiar; a direção musical é de Liliane Secco; coreografia e direção de
movimento de Sueli Guerra; o cenário de Natália Lana; o figurino de Dani Vidal
e Ney Madeira; o desenho de luz de Daniela Sanchez; o desenho de som de Gabriel
d’Ângelo e Jorge Baptista; direção e criação de imagens de Lucas Pimenta; e
produção geral de Renata Borges e Eduardo Bakr. Um trabalho que nos fala
claramente sobre o poder e a responsabilidade da ARTE e tudo o que ela pode
trazer.
O elenco
brasileiro é encabeçado pelo talentosíssimo Gab Lara, que dá vida a Evan Hansen
em toda sua complexidade com perfeição: nós o vemos em todas as suas inseguranças, suas angústias, seus desejos,
e Gab Lara entrega uma atuação comovente, vocais impressionantes e todo o
carisma necessário ao personagem, com quem nos encantamos. Gab Lara é, por si
só, um espetáculo, uma força da natureza. E são tantas nuances em seu
personagem: a sua relação imperfeita com a mãe em paralelo ao que ele forja com
os Murphy, por exemplo, ou a projeção de uma amizade que nunca existiu com
Connor, em paralelo à possibilidade de relações reais e não exploradas por ele,
com Jared e Alana. Ao seu lado, temos a incrível Vanessa Gerbelli dando vida à
Heidi, a mãe de Evan, e é impossível assisti-la e não pensar em “Quase Normal”.
“Aprendi a frear
Bem antes de ligar o motor
Bem antes de arriscar
E revelar o horror que eu sou”
Hugo
Bonemer, de quem sou fã desde que o assisti pela primeira vez como Claude
Hooper Bukowski em “Hair”, em 2012,
dá vida a Connor Murphy, um personagem no mínimo desafiador, porque ele caminha por tons completamente diferentes: a
dicotomia entre quem ele era de fato e vemos no início do musical e quem Evan
Hansen imagina que ele poderia ter sido e a quem somos apresentados nos e-mails
é impressionante, e toda a jornada dele até o fim meio que mescla essas duas
versões, e terminamos nos perguntando: Evan Hansen salvou a alma de Connor
Murphy ou a “ideia” projetada de Connor Murphy salvou a vida de Evan Hansen? Ou
ambos? É um personagem de perguntas, de possibilidades, de discussões abertas…
um personagem delicioso de se acompanhar!
Zoe Murphy,
por sua vez, é interpretada por Thati Lopes, muito conhecida por seus papeis em
comédia, e que entrega aqui uma densidade e uma dramaticidade linda em uma
personagem que passa a questionar tudo a partir do momento em que Evan Hansen
traz à tona uma possível versão de seu irmão que ela jamais conheceu… e que ela não acredita que possa ter existido.
Completando a família Murphy, temos Flavia Santana interpretando Cynthia e
Mouhamed Harfouch interpretando Larry, personagens repletos de culpa, de
dúvidas e de dor, que se agarram a memórias, verdadeiras ou não, do filho e
tentam dar a Evan Hansen a atenção, o carinho e o amor que eles não deram a
Connor… personagens com uma carga dramática pulsante durante todo o musical.
Por fim,
temos o queridíssimo Gui Figueiredo dando vida a Jared Kleinman, um dos meus
personagens favoritos em “Querido Evan
Hansen”. Eu amo a maneira como Jared é um adolescente de verdade, e Gui parece atuar com uma alegria tão grande que ela é
contagiante! Dou boas risadas com o Jared, mas amo o fato de ele ser um
personagem com tantas camadas… um personagem capaz de, sim, nos arrancar
risadas, mas também de dizer verdades duras e necessárias, e de “esconder” sob
uma faceta aparentemente leve todas as dores e solidão que ele também carrega!
E, é claro, a querida, talentosa e magnética Tati Christine como Alana Beck,
uma personagem desesperada por algo que a faça se sentir viva e
importante, que toma decisões equivocadas e anseia por pertencimento, mas de
quem não conseguimos desgostar, porque talvez já tenhamos estado em sua pele.
Musicalmente,
eu sempre fui apaixonado pelas músicas de “Querido
Evan Hansen”, e ouvi-las em português é espetacular… estava ansiosíssimo
para “Olhando da Janela”, que está
excelente, mas fiquei profundamente tocado mesmo pela versão de “Para Sempre”, que é uma das minhas
músicas favoritas no espetáculo: ela é quase cômica, porque você presencia o
Evan Hansen inventando uma amizade
com o Connor Murphy e histórias mirabolantes que nunca aconteceram, mas ela
acaba sendo, na verdade, melancólica demais, porque conforme a música avança,
você percebe que ele queria que
aquilo fosse verdade… você percebe sua experiência enriquecendo a história,
porque ele queria que alguém tivesse
o encontrado quando ele “caiu” na floresta, por exemplo. Qualquer pessoa, mas ninguém veio.
É perfeito!
E, sim, muito triste.
“Se você cai na floresta,
Mas ninguém te viu cair
O barulho dessa queda
Só você consegue ouvir”
Um dos
grandes momentos do musical, para mim (e, convenhamos, acredito que para todo
mundo!), é “Abraços, Eu!”. Há, nessa
música, um humor quase escrachado que pouco vemos no restante do musical,
enquanto Evan pede a ajuda de Jared para “recriar a sua vida”, inventando
e-mails que ele supostamente teria trocado com Connor, e tudo é propositalmente
absurdo e delicioso. Gab Lara, Hugo Bonemer e Gui Figueiredo entregam uma cena
icônica, com uma coreografia divertida, pérolas como “Os meus mamilos ficam duros de tesão!” (ah, Jared, como não amá-lo
por suas interferências?) e uma energia caótica que envolve, arrebata e marca…
o “Hey! Hey! Hey!” do trio antes do
último refrão é algo que eu amo imensamente (e a breve reprise interrompida no
começo do segundo ato é crueldade).
“Querido Evan Hansen” ainda conta com
músicas como “Réquiem”, que é um
momento poderoso para a Família Murphy; “Se
Eu Pudesse Dizer a Ela” e “Somente
Nós”, que são momentos muito especiais para Evan Hansen e Zoe Murphy, nessa
relação estranha que é paradoxalmente baseada em mentiras e sentimentos
verdadeiros; “Só Um Mapa Vai Mostrar”,
que é um grande momento das mães e a
abertura do musical, e “A Luva Vai te
Conquistar”, que materializa em uma luva de beisebol a relação de Evan e
Larry e a busca insensata por soluções
rápidas, que não funcionam a longo prazo; “Ninguém Pode te Apagar”, que é a preparação perfeita para o que se
torna “Vão te Encontrar”, a poderosa
finalização do primeiro ato e uma das melhores cenas do musical, quando Evan
Hansen faz um discurso e muda vidas…
Connor
Murphy e o Projeto Connor se tornam um símbolo.
Se tornam
uma âncora para muita gente.
“Abra a janela e deixe o sol te iluminar,
Ser seu farol
Vai ter sempre alguém ali
Vão te encontrar”
Por fim,
preciso comentar a respeito de “Não Sei o
Que Dizer”, que é possivelmente a cena mais triste, mais forte e mais difícil de “Querido Evan Hansen”, quando Evan confessa aos Murphy que ele e
Connor nunca foram amigos e que ele inventou
aqueles e-mails, e todos são convidados a encarar
as coisas como elas realmente são… todos. Gab Lara entrega uma atuação
pungente que nos leva às lágrimas e nos marca para sempre, e isso conduz a “A Casa Ficou Tão Grande Pra Nós”, que é
o momento em que Heidi percebe, de uma vez por todas, o quanto o filho precisa dela – ver a carta que Evan Hansen escrevera
a si mesmo e entender como ele se
sente é transformador na relação deles. Vanessa Gerbelli e Gab Lara entregam
uma sequência linda, comovente, dolorosa e sincera.
Há tanto
naquele abraço!
“Querido Evan Hansen” não termina… ele
segue sendo pauta de reflexão e de discussão muito depois de você levantar de
sua poltrona para deixar o teatro, eternamente tocado por essa história. Esse é
o poder transformador da arte: o de tocar e instigar. Mais do que respostas e
soluções, a arte traz dúvidas, questionamentos e a reflexão cabe a nós – e
histórias bem contadas como a de “Querido
Evan Hansen” proporcionam isso. Estou felicíssimo em ter, em território
nacional, uma versão tão linda e claramente feita com carinho, cuidado e
respeito de um musical que eu tanto amo! Atualmente, o musical está em cartaz
em São Paulo, no Teatro Liberdade, até setembro… e o meu amor por essa obra,
essa produção e esse elenco só cresce a cada dia.
“Nosso céu azul para sempre”
* Texto
atualizado da publicação original de 20/07/2024.
Para outros
espetáculos, visite “Teatro no Brasil” nessa página.
P.S.: Abaixo, minhas fotinhas com o
elenco de “Querido Evan Hansen” no
Teatro Liberdade.
HUGO BONEMER, nosso Connor Murphy! |
MOUHAMED HARFOUCH, nosso Larry Murphy. |
O fofo do GUI FIGUEIREDO, nosso Jared. |
Como eu disse mais de uma vez: um espetáculo! GAB LARA, nosso Evan Hansen, tem uma voz maravilhosa, e é tão expressivo! Uma atuação brilhante, uma escolha perfeita para o papel! |
A querida TATI CHRISTINE, nossa Alana Beck. |
TATHI LOPES, nossa Zoe Murphy. |
VANESSA GERBELLI, nossa Heidi Hansen. |
FLAVIA SANTANA, nossa Cynthia Murphy (querida demais, com um abraço acolhedor e sincero) |
E a foto mais esperada e desejada por mim, ao lado do GAB LARA, o Evan Hansen mais perfeito que poderíamos ter. Parabéns novamente, e obrigado pelo trabalho incrível!!! |
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