Corações Jovens (Young Hearts, 2024)
“O que você está fazendo?”
“Sendo seu petit copain”
De tempos em
tempos, eu assisto a um filme que me deixa sem palavras… um filme que me toca
profundamente, que eu levo um tempo para processar e que eu coloco como aquelas
experiências que nós não temos o tempo todo e que nos marca para sempre – “Young Hearts” é um desses filmes. Com
uma sensibilidade indizível, a história de amor, descoberta, aceitação e
amadurecimento de Elias e Alexander é contada de maneira bela, cuidadosa e
natural e, como espectadores LGBTQIA+, somos convidados a nos sentir parte
disso tudo, a reviver esse “primeiro amor”, como na música de Luk diz, e é uma
sensação absurda e arrebatadora. Eu sorri, eu chorei e eu amei cada segundo que
fez com que eu sentisse e vivesse essa história de forma tão sincera.
Escrito e
dirigido por Anthony Schatteman, “Young
Hearts” é um filme belga-holandês que fez a sua estreia no em 17 de
fevereiro de 2024, no 74º Festival Internacional de Cinema de Berlim – e o
filme ganhou cinco merecidos prêmios em diferentes festivais pelo mundo, tanto
pela direção de Anthony Schatteman quanto pela atuação de Lou Goossens, o
garoto que dá vida a Elias com uma verdade e uma sensibilidade impressionante!
Eu realmente fiquei impressionado com o seu talento e com como ele consegue
passar tantas emoções diferentes
através do olhar… sentimentos de descoberta, como na cena do piano ou do bar em
Bruxelas; sentimentos de confusão e medo, como na cena da festa; isso sem falar
na cena arrepiante do carro com a
mãe, próximo ao fim.
O filme
começa com a chegada de Alexander, o novo vizinho de Elias, quem ele pode ver
da janela do seu quarto… e as vidas deles se aproximam inevitavelmente quando
eles compartilham uma rua, uma sala de aula e um grupo de amigos, e é
interessante ver o fascínio que
Alexander exerce sobre Elias, embora eu não ache que Elias entenda, de
imediato, o que ele pode estar sentindo – mas ele não consegue tirar os olhos
de Alex, não consegue deixar de observá-lo e, quem sabe, de sorrir com a sua
presença. Acho que Elias começa a despertar racionalmente para o que está
sentindo naquela conversa depois de eles comprarem morangos e cerejas, em que
Elias confessa que nunca se apaixonou e Alexander conta que “é a melhor
sensação do mundo” e fala sobre ter namorado um garoto chamado Arthur no ano
anterior…
E é uma sensação que Elias está finalmente
conhecendo.
Grande parte
da beleza do filme está na construção e na descoberta desses sentimentos, e na
maneira destemida como “Young Hearts”
nos diz que garotos de 14 anos podem se apaixonar e podem viver uma história de
amor… eu acho que “Young Hearts” é
muito pessoal, muito íntimo e ele escapa de armadilhas tradicionais de filmes
LGBTQIA+, que durante muito tempo envolveram tragédias e corações partidos sem
finais felizes. E como um homem gay com mais do que o dobro da idade desses
protagonistas, eu inevitavelmente penso em como teria sido assistir a um filme
assim na minha adolescência… porque eu, assim como muitas outras pessoas
LGBTQIA+, não vivi esse romance adolescente na época da escola, não tive um
primeiro beijo aos 14 anos…
Muita coisa
nos é negada… muita coisa chega “atrasada” para nós…
Algumas
cenas são de uma preciosidade tão gigantesca, mesmo em momentos pequenos, e
isso só é possível pelo texto sensível e pela atuação sincera desses garotos…
eu amo cenas como aquela em que Alexander está ensinando Elias a tocar piano e
Elias fica olhando para os seus dedos e para ele e sorrindo, e depois ele
deseja seus dedos ao piano, porque aquela imagem não sai da sua cabeça; ou
aquela em que Alexander diz que fez um ano de judô e pode defendê-lo dos
valentões da escola que fazem bullying
com ele; ou os olhares e os sorrisos enquanto eles brincam de esgrima em uma
casa abandonada; ou a cena em que Elias leva Alexander para conhecer a fazenda
do avô e os dois brincam e rolam no feno; ou, ainda, a lindíssima cena em que
eles vão nadar no rio.
Todos
momentos “pequenos”, mas são nesses momentos que o sentimento se concretiza. É
quando Elias está olhando para os dedos de Alexander no piano, ou quando está
ouvindo que ele o defenderia, ou quando eles estão tão envolvidos um com o
outro na casa abandonada, no feno ou no rio que nada mais importa – eles estão
em um mundo só deles, em que a companhia um do outro é tudo o que eles podem
querer… e a construção dessa proximidade até o primeiro beijo deles é
lindíssima! Quando eles tomam uma chuva forte e pedalam depressa para se
esconder na fazenda, a tensão entre eles é palpável quando Alexander mostra “um
truque para diminuir o frio”, e quando Elias se vira para ele, Alex se aproxima
e o beija… por alguns segundos, ele não sabe como Elias reagirá…
Então, Elias sorri.
E É A COISA MAIS LINDA E MAIS FOFA DO MUNDO.
Então, o
filme entra em uma nova narrativa conforme Elias tenta fazer as pazes consigo
mesmo e com o que ele está sentindo, e tudo é muito novo para ele, para seu
“jovem coração”, e ele se sente sobrecarregado… confuso e com medo, ele começa
a se afastar, o que deixa o Alexander desconcertado, mas ele sente a sua falta
constantemente, tanto que, quando ele acaba bebendo na festa de uma amiga, ele
vai de madrugada para a casa de Alexander para falar com ele e para beijá-lo,
mas Alexander o afasta para que eles conversem outro dia, com calma. E, no dia
seguinte, ganhamos o que eu considero uma das cenas mais fortes, mais lindas e
mais sensíveis do filme todo, que é quando Elias se isola, Alexander o procura
e então Elias encosta a cabeça no seu peito e diz que “só quer ficar com ele”.
Há tanta coisa dita naquela ação e naquelas
palavras que parecem tão simples.
Depois desse
reconhecimento, e de todo o problema com Valerie, a garota que Elias estava
“namorando” até então, é lindo ver a maneira como o rosto de Elias se ilumina
com uma ligação de Alexander, e então ele aceita o convite para ir com ele até
Bruxelas, a cidade de onde ele veio… e um lugar onde portas se abrem para Elias
de uma maneira lindíssima. Eu amo acompanhar os dois andando juntos pelas ruas,
se divertindo, tirando uma foto que Alexander deixa de presente com Elias, e o
Alexander o apresentando como seu “petit
copain” para os tios… enquanto uma drag canta no palco e Alex toca piano,
eu acho que o amor de Elias por ele se consolida,
e vemos sua expressão se transformar, culminando naquele beijo depois, que pega
o Alexander de surpresa, e Elias explica que “está sendo seu petit copain”.
ELES PODEM
SER MAIS FOFOS?!
Mas tudo o
que Elias e Alexander vivem em Bruxelas ou na fazenda do avô de Elias é muito
mais fácil de se viver nesses lugares
do que quando eles voltam para “sua vida real”, e eu entendo perfeitamente o
Elias… é tão libertador ir à cidade
grande, mas às vezes é tão assustador estar num lugar pequeno em que você tem
medo do julgamento das pessoas ao seu redor. E tudo o que eles construíram e
viveram dá uma freada quando Alexander tenta comemorar uma cesta na escola abraçando
o Elias e ele o afasta para ir celebrar com os demais, como se não quisesse que
ninguém os visse juntos – e eles estão em uma situação complicada, até porque
Alexander tem sua sexualidade muito bem
resolvida, enquanto tudo ainda é muito novo para Elias e ele sente medo…
O
afastamento dos dois é doloroso, e eu sofro por ambos, de diferentes maneiras…
e as coisas ficam muito mais graves
durante uma festa à fantasia na qual tudo parece estar desmoronando sobre Elias
e ele não sabe lidar com tudo o que ele está sentindo (aqui, mais uma vez, a
atuação de Lou Goossens é impressionante, pungente, real), e ele vai embora
correndo para se esconder na fazenda do avô. As cenas com o avô são todas
lindíssimas. A maneira como o avô o encontra no celeiro e não faz perguntas,
apenas o acolhe e o abraça, e a maneira como, depois, o avô resolve levá-lo
para uma viagem na qual Elias pode se afastar de tudo e de todos e pensar, e
colocar seus sentimentos em ordem, e entender que não há nada de errado no que
ele está sentindo…
Ele gosta de
Alexander… e isso é lindo.
O processo
de aceitação de Elias é algo muito pessoal. Ele tem uma família incrível, mas nós vivemos em uma
sociedade heteronormativa repleta de preconceito que tenta nos podar e nos
esconder desde muito cedo… e tudo isso está refletido brilhantemente na
conversa que Elias tem com a mãe, na presença do avô e do irmão, no caminho de
volta para casa. Ele pede que a mãe pare o carro, diz que “tem algo a contar”
e, com a mãe no volante e ele no banco de trás, ele conta que está apaixonado por Alexander… a cena é
repleta de beleza, de intensidade… é tão triste
ouvir o Elias dizendo que quer que ela saiba que “ele tentou mudar”, e é tão lindo a mãe descendo do carro e indo
abraçar e secar as suas lágrimas para dizer que ele não precisa mudar, e que ela o ama.
Essa cena do
carro é uma das cenas mais lindas que
eu assisti esse ano. Ou sempre.
E, mais uma
vez, QUE ATUAÇÃO DE ARREPIAR!
“Young Hearts” é lindíssimo… o filme
ainda nos reserva alguns outros momentos muito bonitos, como quando Elias pensa
ter visto Alexander em uma festa da cidade e Valerie o incentiva a ir atrás
dele e, depois, o irmão – que não reagira à sua confissão no carro – diz onde o
Alexander está e manda o Elias não perder tempo e ir atrás dele. Antes de
correr atrás de Alexander, Elias abraça o irmão, e é algo realmente
emocionante! E, então, Elias reencontra Alexander… e frente a frente, com os
olhos brilhando, eles não precisam dizer nada um ao outro, porque ambos sabem o que o outro sente. E então
eles se beijam, no meio de uma festa na cidade, com o pai de Elias cantando no
palco (ele descendo para beijar e abraçar o filho!), sem se importar com quem
vai ver ou com o que eles vão pensar…
Eles estão
apaixonados, eles querem estar juntos, e não há nada de errado no amor que eles
sentem um pelo outro! Amo imensamente aquela cena quase “extra” depois da festa
na cidade… amo como 1) a família de ambos está feliz com a felicidade deles e
como o avô de Elias sorri da janela ao ver os dois saindo juntos e se provocando;
2) Elias sobe na garupa da bicicleta de Alexander e os dois discretamente tocam
a mão um do outro, para depois Elias deixar isso tudo de lado e abraçar o
namorado, parecendo a pessoa mais feliz do mundo; 3) eles estão inseridos
naquele grupo de amigos que os amam e os respeitam, e de como eles parecem bem,
parecem leves, parecem livres, parecem felizes… um filme necessário, belo,
sensível e que NOS FAZ BEM.
Um dos
melhores do ano, sem dúvida!
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